25 de fevereiro de 2010

quando o Perverso se transforma no Fracassado, por volta da meia-noite (adoramos essa história)

"Pedro Almodóvar" ou Em defesa dos ateus simpáticos

(Na foto, Alex, de Laranja Mecânica)


(Dedicado ao Zé, sem nenhum motivo especial.)

(Antes de começar este post polêmico, vou fazer uma rápida classificação do tipo de gente que poderia perder seu tempo falando de alguém como Pedro Almodóvar:
1. Pessoas mais afins a outras áreas artísticas, que gostam de cinema por acaso ou não têm muita independência de gosto, e acabam indo ver seu último filme simplesmente porque é famoso.
2. Pessoas que gostam de travestis, como eu.
3. Pessoas fortemente ligadas a alguma espiritualidade - católicos, em geral -, e que normalmente são o argumento contra.*
4. Pessoas fortemente desligadas de qualquer espiritualidade, e que são normalmente o argumento a favor.*)

Para o desânimo geral, eu enganei a todos. Isto não vai ser um post sobre Almodóvar, vai ser um post sobre ateus simpáticos.

SOLTA O VIDEOTAPE

O maior problema de pessoas descrentes de qualquer sentido misterioso na vida, qualquer metafísica, espiritualidade, ateus em geral, não é elas serem assim, é elas só falarem sobre isso, adorarem encher o saco das pessoas falando da própria descrença; é, enfim, elas morrerem de se orgulhar em ser assim, não por um apego nostálgico à descrença desesperada do séc. XX, mas porque elas de fato não saíram do séc. XX.

Elas sofrem, coitadas, com o "nada" e acabam catalisando esse sofrimento com suicídio ou chorando pelo próprio sofrimento. São pessoas fanáticas pela própria descrença e, no entanto, adoram falar mal de fanatismos em geral, sem assumir que cultuam algo de qualquer modo. Nossa, eu poderia citar uma centena de pessoas assim, mesmo sem conhecê-las bem. E estou falando de hoje em dia, às vésperas de 2012, o ano que vai mudar e muito as nossas vidas.

MUDA A CÂMERA

No entanto, existe uma outra espécie de descrença, que eu vou chamar de ateísmo simpático. São pessoas que continuam sem acreditar em nada, mas, de algum modo, superaram a náusea do séc. XX., a tortura de um período assolado em guerras e genocídio e a idéia de completa falta de humanidade no nosso miserável planeta. Elas possivelmente continuam sem crer em qualquer espiritualidade ou mistério, talvez nunca tenham sequer refletido sobre isso, porque elas estão bem assim.

Eu, particularmente, acho esse ateísmo simpático the face of the séc. XXI, the face dos jovens e adultos do nosso querido século, e me parece uma face bem mais atraente. São jovens e adultos que continuam ligados à carnalidade e às circunstâncias da carnalidade (afinal, de papel é que eles não são feitas), mas seguem se alimentando, se maquilando e têm um final feliz. Mesmo com toda a confusão de valores que elas absorvem e não sabem verbalizar, mas acho que sempre foi assim.

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Bom, era o que eu tinha para falar. Quem quiser ligar isso a Todo sobre mi madre, La mala educación e a Los Abrazos Rotos, e aos finais dos respectivos filmes, que fique à vontade. Quem quiser, por outro lado, ligar os ateus "fanáticos" ao Fassbinder, um diretor normalmente comparado ao Almodóvar MAS QUE NÃO TEM NADA A VER pelos motivos que eu acabei de apresentar, que também fique à vontade. Quero todos muito à vontade, aqui.

* Sim, usar a própria espiritualidade ou não para justificar um interesse estético pode parecer uma cretinice imensa, mas vamos combinar que, no fim das contas, é algo que todo mundo faz.

24 de fevereiro de 2010

omnibus horis (uma adenda ao post em que eu faço uma tipologia de mim mesmo, desçam aí uns quatro posts)

(Senhor Damasco, o Metafísico, vendo o sol nascer, enquanto prepara um post contra o Fassbinder, porque seus personagens não acreditam em uma "verdade real".)


Os horários do dia em que sou mais Metafísico são os que rodeiam a aurora: das 4h da manhã até umas 9, por aí. (Parece pouco, mas vocês sabem que o importante não é a quantidade.)

O Panda Vermelho e o Performático, que pressupõem uma maior capacidade interpessoal, se manifestam enquanto eu estou na faculdade ou preciso interagir com pessoas de alguma forma (das 9h às 11h30, e por boa parte da tarde.)

O Perverso aparece, assim como o Conde Drácula, após o pôr-do-sol e fica assim até por volta da meia-noite, quando é tocado pela própria mesquinhez, arrepende-se de seu comportamento perverso e se torna o Fracassado e o Desapontado (categoria que também se manifesta logo após o almoço). Assim eu permaneço até meados da aurora, quando volto lentamente ao Metafísico e assim por diante.

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É isso. Agora vocês já sabem quando me procurar e estarão mais preparados com o que vão lidar. Mas não utilizem isso para se aproveitar de mim (me procurar no meio da madrugada, por exemplo, quando eu estaria mais fraco). Sou alerta, mesmo na fraqueza. E, mais que alerta, sou irritável e posso fazer coisas drásticas, como mandar um twink, ops, um wink pelo msn. Então, é isso, fiquem espertos.

temas importantes, pertinentes

Amor. Um amigo veio comentar que recebeu um e-mail da ex-namorada perguntando "o que foi tudo isso que vivemos e quem foi você nisso", com essas palavras. Eu disse pra ele que eu não queria nem falar sobre isso, que ele sabia que eu já fiz esse papel (sintam o Senhor Damasco, o Fracassado e o Desapontado falando mais alto) e que só a possibilidade de relembrá-lo me fazia ter vontade de desmaiar.

De fato, ele está numa emboscada. Porque ele precisa ser paciente sem dar qualquer margem de esperança. No entanto, se ele não dá qualquer margem de esperança, ela vai achar que ele está sendo frio e insensível com o que eles tiveram. Por outro lado, se ele dá alguma margem de esperança, ele está iludindo a garota. Aí eu disse pra ele "Não tem jeito, você precisa encontrar uma terceira margem." Mas o que seria essa terceira margem? Talvez isso seja mesmo um problema sem solução.


Viagens. Eu não entendo como em pleno séc. XXI (poxa, o mundo vai mudar todo em 2012, vocês sabem), nós ainda precisamos nos preocupar com coisas como "fazer malas" ou "fazer check-in". É por essas e outras que o mundo é absurdo, sabe?


Pessoas. Eu passei praticamente três meses sem sair do meu quarto, com exceção de viagens e de algumas saídas ocasionais. No entanto, pessoas de outras cidades são mais uma atração turística, um ornamento da própria cidade. Eu tenho uma curiosidade saudável e positiva por elas, porque elas são humanas, podem me dar uma experiência humana, sem eu precisar refletir sobre o peso que significa essa humanidade.

O mesmo acontece com as pessoas que eu vi nas minhas saídas ocasionais. O peso de suas presenças é algo passageiro e até prazeroso: são como uma pizza que eu como a cada três semanas. Digo, não vai me engordar.

Acontece que, com o retorno das aulas, eu preciso lidar com a obrigatoriedade de ver pessoas, de falar com pessoas e, ocasionalmente, gesticular para elas. É uma tragédia isso: ser obrigado a sair de casa e dizer "oi". É uma circunstância social absurda da qual eu não posso fugir. Só não é um desastre porque eu não tenho visto dessa forma, eu procuro não ver como uma obrigatoriedade, e porque afinal eu gosto de ir para a faculdade. E porque tenho amigos e professores que também pensam assim, e respeitam. Eles encaram isso de forma saudável, como é para ser encarado (ou nada ia funcionar), mesmo sem nunca termos conversado a respeito. E são as pessoas com quem eu me dou melhor. Mas se eu páro e reflito sobre essa "obrigatoriedade", nossa, o mundo é mesmo um lugar esquisito.


Tabagismo. Eu não fumo, mas adoro fumantes. É uma forma física e direta de rejeitar o mundo físico, sem balela e sem discursos espirituais. A pessoa diz "Eu fumo" e pronto.


Criatividade. Ali do lado vocês vêem que em fevereiro de 2010 (OU SEJA, ESTE MÊS) existem 10 posts. É a mesma quantidade de posts de junho de 2009 a janeiro de 2010 (FAÇAM AS CONTAS, SÃO TIPO 8 MESES). Considerando que a unidade "fevereiro de 2010" pode ser subdividida: um breve momento de 2 posts num isolado dia 14, e o restante de 8 posts razoavelmente longos num período de menos de uma semana (ESTA SEMANA). Quem me conhece ou quem vê os números dos arquivos só pode pensar que eu perdi a compostura editorial e liguei o foda-se (nossa, que expressão deselegante.)

Mas isso não é verdade. Tudo o que eu postei nessa semana foi fruto de muita reflexão, releitura e alteração (inclusive depois de postado, então: confiram!) O que explica isso? Eu não sei. Eu só não aceitei ainda jogar o computador e o caderno pela janela, porque a estatística mostra que essas fases passam mais do que ficam e, portanto, eu devo aproveitar. (Que construção estúpida; se "ficasse", não seria uma "fase". Mas bom.)

O que me faz queimar neurônios, no entanto, é perceber que, contra a ocorrência ou não dessas fases, por mais que eu queira argumentar o oposto, eu não tenho muito controle. Isso é claro: nós temos fases. Mas o porquê de elas serem tão instáveis é algo que me faz erguer misteriosamente a sobrancelha. Bom, outro dia eu pedi comida chinesa e veio a seguinte mensagem no meu biscoito da sorte: "A mudança corresponde sempre a uma necessidade real." É a metafísica do yakissoba.

só vale a pena, gente (um post motivacional)

Só vale a pena manter um blog se a gente olha para o último post e diz: "essa é a melhor coisa que eu já escrevi."

Só vale a pena sair de casa se a gente se olha no espelho e diz: "eu nunca estive tão bonito."

Só vale a pena tomar coca-cola com gás. E nada de "light" ou "zero".

Só vale a pena fazer exercícios físicos se for todos os dias da semana. Se não for assim, não vale a pena.

Só vale a pena estudar música e tocar algum instrumento se a gente ensaia, pelo menos, três horas por dia, até o fim dos nossos dias.

Só vale a pena fazer alguma faculdade se for para aprender alguma coisa de verdade. Se for para não aprender ou repetir o que já se sabe, não vale a pena.

Só vale a pena guardar logs no MSN se for para usar descaradamente em chantagens, depois.

Só vale a pena ler a obra de Campos de Carvalho se for para ler todas as novelas, e de uma vez só. O mesmo vale para a obra poética do Eliot. O mesmo vale para as tragédias gregas, para as que restaram.

Só vale a pena comprar um celular se a bateria dele dura mais de dois dias.

Só vale a pena brigar com alguém se for para a coisa se tornar humilhante e insustentável, um rancor sem solução. Se for para ter apenas uma discussãozinha, não vale a pena.

Só vale a pena dormir se for por oito horas seguidas e sem interrupção.

Só vale a pena concordar com este post se for com todos os enunciados. Se for para concordar com um ou dois e achar o resto "extravagante", não vale a pena.

Só vale a pena usar protetor solar se for para passar todos os dias, uma vez de manhã e outra à tarde. (Lembrando que "fator 15" não é protetor solar.)

Só vale a pena sentar ao computador num domingo se for o dia inteiro, até as costas doerem. Se for só para "checar os emails", não vale a pena.

Só vale a pena ter um twitter se for público. Não entendo o sentido de publicar apenas uma linha e ainda querer esconder isso do resto do mundo.

Só vale a pena fazer sexo se for para suar e se sujar. E gostar.

Só vale a pena juntar dinheiro se for muito dinheiro. Se não, é melhor gastar logo, porque não vale a pena.

23 de fevereiro de 2010

meu amigo imaginário não gostou quando eu disse que acredito em "gênios", então eu vou dar a minha opinião

(Dedicado ao Afrânio, o meu amigo imaginário. E ao Victor, que não tem nada a ver com isso, mas só porque ele vai me achar "fetichista".)

(Na foto, gênio: existe ou não?)


A maldade e a bondade caminham juntas, de mãos dadas, são seivas se alternando simultaneamente. Assim como a verdade e a dissimulação, a frieza e a fraqueza, a metafísica e a carnalidade, a descrença e a fé, ad infinitum. O Cosmos, tentem acompanhar minha linha de raciocínio, de alguma forma, se manifesta assim.

Eu não sei o que eu quero exatamente dizer com isso, mas quando Wilde diz que a vida imita arte mais do que a arte imita a vida, ele está dizendo: "eu mostro uma perspectiva do Cosmos (vamos supor, a crueldade) e, a partir dessa, os homens absorvem uma linguagem, formam as próprias linhas e constroem o que seria uma 'visão de vida'".

Levando Wilde ao extremo, não existiria esse mundo de múltiplas seivas confluindo juntas no mundo referencial. O que haveria de fato seriam distintos estilos artísticos, cada um refinado ao seu jeito, que serviriam de parâmetro para o que cada um vai ser.

Ou seja, cada um escolhe o mundo em que vive. (Ok, se é uma questão de escolha, se é uma influência dos astros, uma adequação ao ambiente, se é algum nível de destrutividade ou orgulho, não é esse o ponto. O ponto é que a partir dessa "decisão", independente da natureza de sua origem, o mundo do indivíduo vai se formar.)

Sendo assim, tudo seria uma questão de perspectiva e relativismo, e a arte seria o que leva cada um a um mundo tal. Eu gosto disso, e acho uma idéia muito bonita - eu particularmente me orgulho muito dos mundos que já "escolhi" viver.

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No entanto, se cada pessoa sai da redoma da própria pessoalidade, da própria linguagem que assumiu como "sua", e percebe que ela acabou se tornando mais um habitante de um mundo fechado; se consegue admitir que, fora desse mundo, existe uma confluência de outros mundos exteriores se misturando ao mesmo tempo e consegue, com uma linguagem, expressar todos esses mundos, para mim, isso é um gênio.

Eu não estou menosprezando ninguém. Eu amo Wilde, Tennessee Williams, Beckett, Cormac McCarthy, Manuel Puig, Fellini, Herzog - e eu amo o mundo que cada um deles construiu e eu adoro passar por cada um deles. Às vezes já me comporto como um estrangeiro visitando uma terra distante; doutras acabo desprezando todos os outros lugares que já conheci na vida e digo "Aqui é a minha pátria." Às vezes eu fico tão excitado que chego a dizer "Céus, isto aqui é mesmo genial!" E a maior virtude dessas casas é que elas oferecem ao homem o que ele mais quer: uma residência. Ainda que haja algumas que pareçam ter problemas estruturais (as casas do Beckett têm algo de errado com a postura dos móveis, por exemplo), essas inconveniências, no fundo, são a moradia que esses indivíduos "escolheram".

O que é mais difícil a respeito desse gênio é que ele parece ter uma compreensão do mistério e do absurdo que o mundo é, uma compreensão muitas vezes desconfortável. (Caso seja, não é um desconforto "acolhedor", como o que eu disse acima, ou uma compulsão masoquista.) É uma sensação séria de que existe algo de muito assimétrico no Universo que excede qualquer jogo de linguagem ou ordem lógica. Em suma, de que isto tudo é um tanto misterioso. Nós, mortais, ocasionalmente podemos sentir um pouco do vulto disso, mas não conseguimos escrever algo que sintonize convincentemente com essa compreensão (Se você consegue, por favor, me envie um email para marcarmos uma cerveja).

A obra de um gênio assim - eu nem sei se o mundo já conseguiu lotar uma carruagem com essa espécie - escapa de "uma visão própria de mundo". O que ela reproduz é simplesmente o Cosmos em si, com todos os sentidos impressos, todas as seivas se articulando, o subseqüente mistério que isso infere. Ela vai influenciar toda uma geração de artistas e pensadores por vir e esses artistas e pensadores vão diferir completamente um do outro outro, porque todos beberão de uma fonte verdadeiramente genial, de uma fonte primitiva, original, mítica.

Eu não vou citar exemplos de obras que representam esse tipo de experiência pra mim, porque eu não quero, porque eu sou ciumento e porque eu vou cair em clichês.

Também não as leio com freqüência, e muitas vezes elas nem são as minhas obras favoritas, porque, por incrível que pareça, eu não me julgo uma pessoa genial. E porque gosto de livros e filmes onde eu possa me sentir em casa (sou uma pessoa muito caseira), o que obviamente não acontece com obras dessa natureza.

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Eu também tenho as minhas dúvidas se é possível uma categoria tão forte assim, se é apenas mais um feitiço, se é apenas uma linguagem extraordinariamente mais bem empregada, "mais abrangente", "mais aberta". Mas, em resumo: mais um mundo à parte. Porque eu sei que é o que vocês vão pensar na hora de contradizer este post. Eu também tenho as minhas dúvidas. E, no entanto, insisto nessa obsessão. Vai ver porque acho tudo isso lindo, vai explicar.

22 de fevereiro de 2010

oi, a metafísica não me deixou dormir

UMA EXPLICAÇÃO

Uma vez um amigo me disse que o principal problema dos arianos é que eles não aceitam uma existência fragmentada; ou seja, eles constroem um conjunto de linhas em torno de si próprios, talvez como uma forma de se proteger, e permanecem por anos dentro dessa cabana.

Eu tive uns, digamos, insights espirituais nesses últimos dias. Eu confesso. Mas enquanto eu tentava dormir agora (eu não consegui, eu não consegui), eu decidi que aceitar a sinceridade desses insights (gente, eles foram MUITO sinceros) não me impede de aceitar a sinceridade de outras coisas que eu assimilei ao longo da minha curta vida, junto com minha família, amigos e meu amigo imaginário.

No entanto, dentro de uma mesma linha de raciocínio, essas sinceridades muitas vezes não se encontrariam. Seria uma guerra de grandes sinceridades se cruzando, o que ia resultar num enorme conjunto megalomaníaco de sentidos, e eu ia ser tomado naturalmente por contraditório, incoerente e as pessoas iam me levar menos a sério do que já me levam.

Para resolver esse problema, eu decidi que eu não vou ser um ariano, eu não vou traçar todas essas sinceridades dentro do mesmo espiral, e acabei decidindo uma coisa drástica, mas que será melhor para mim, para vocês e para todos: vou multifacetar o Senhor Damasco, primeiro porque é algo que eu não controlo totalmente e segundo porque eu sou jovem e posso me dar ao direito. Mas vamos direto ao ponto, porque ser chique não é apenas ser franco, é também saber ir direto ao ponto:


UMA CLASSIFICAÇÃO

(Senhor Damasco, o Metafísico)

1. Senhor Damasco, o Metafísico: esse foi o que obviamente se manifestou nos últimos três posts. O Metafísico sempre foi a minha faceta mais forte (eu não ligo de me chamarem de hippie), mas foi uma faceta que eu desenvolvi com mais força muito antes deste blogue existir. Eu tinha algo como quinze anos e via Bergmans e Antonionis diariamente. Quando eu vi que ele tinha tomado proporções gigantescas, eu o prendi dentro de uma sacola de papel reciclável (porque naquela época eu já tinha consciência ecológica e não ia utilizar sacos plásticos) e criei o The Lemon of Pink.


(Senhor Damasco, o Perverso)

2. Senhor Damasco, o Perverso: é o mais marcado aqui, evidentemente. Foi um exercício estético que eu estendi à exaustão e que, se não fosse o retorno surpreendente do Metafísico nos últimos dias, eu teria fechado o blog. Simplesmente porque não havia mais nada para ser explicado. Sobre o Perverso, nem adianta eu falar nada, é o lado Wildeano da força, a Salomé do agreste brasileiro. É um lado de que eu peguei um certo desgosto porque eu perdi a medida da ironia e estava a ponto de me tornar aquilo que o Perverso mais dissimula: um ser de superfície. Eu desconfio que o Metafísico resolveu dar as caras de novo justamente por isso.


(Senhor Damasco, o Panda Vermelho)

3. Senhor Damasco, o Panda Vermelho: esse é um pouco mais difícil de explicar, mas se vocês vêem algum sentido em este blog se chamar The Lemon of Pink, em existir uma foto de uma criança com um capacete do Darth Vader e por meu gosto por Animal Collective - sim, aparentemente não há nenhum sentido nem nenhuma sugestão de sentido -, então vocês me poupam de qualquer explicação. Mas eu garanto que há um sentido muito forte, que me forçaria a realmente virar um panda vermelho se eu tentasse explicar. Em todo caso, não tem problema, basta crer que MESMO LOUCA E ABSURDA A VIDA É UM ETERNO APRENDIZADO*.


(Senhor Damasco, o Performático)

3. Senhor Damasco, o Performático: sabe quando vocês acham que eu estou sendo sincero, mas na verdade eu estou sendo sincero TAMBÉM? Eu sou uma pessoa muito sincera. Mas eu também sou um pouco jogador de pôker. Eu achei que, quando o lado Metafísico da força tinha se manifestado, eu ia deixar todas essas gracinhas de lado, mas o desgosto pela seriedade, graças a deus, me impediu de levar isso adiante. É por isso que eu amo a Elisabet Vogler, de Persona, porque é impossível dizer se ela está sendo sincera ou mentirosa, se ela tem controle sobre a verdade e o fingimento, se é possível afinal separar as duas instâncias. O mundo é um lugar engraçado, é ou não é?


(Senhor Damasco, o Fracassado e o Desapontado)

4. Senhor Damasco, o Fracassado e o Desapontado: esse é o que eu escondo nos meus diários secretos vergonhosamente, enquanto ouço Billie Holiday. Meu deus, como ele me envergonha. Eu nem sei como tive coragem de citá-lo aqui. Próximo.

Não tem próximo. Ou tem?

OI, EU ESTOU DE VOLTA

Bom, meus amigotes, eu não sei se isso serve para eu não receber acusações injustas, se é uma justificativa para explicar o que diabos deu em mim nestes últimos três posts (e que eu espero que não pare). O que resta de verdadeiro é que, mesmo fazendo essa tipologia de Senhores Damasco: uma biografia, eu não vou saber dizer quando eu vou estar manifestando a sinceridade de um ou a sinceridade de outro, ou várias sinceridades ao mesmo tempo. Também é claro que as sinceridades não são de todo desencontradas e às vezes até exigem o suporte uma da outra.

Sei que é uma maneira espertinha de não ser acusado de contraditório, mas, ao mesmo tempo, me parece a maneira menos desonesta de não cair numa covardia argumentativa, numa caricatura de valores e de ser mais eu mesmo, desse jeitinho especial e esquisitamente egocêntrico que eu sou. Infelizmente, não tenho mais tempo de dormir, porque as aulas começam hoje e eu já estou atrasado. Metafísica, é sempre um prazer.

*e viva à nossa felicidade.

coisas que os leitores precisam saber sobre o senhor damasco antes de começar a ler esse blogue

1. Eu mantenho diários. Alguns deles são públicos e outros não.

2. Eu só me interesso pra valer por artistas que acreditam na metafísica. (por "metafísica" eu posso estar me referindo a visões de tigres no céu, a experiências sexuais indescritíveis - O Império dos Sentidos para mim é um filme extremamente bom e metafísico -, a formas que de tão inacreditáveis excedem o mundo dos homens e rodopiam prazerosamente na alma*, a enfim qualquer sensação de verdade, qualquer *click* que transmita um vulto de arrebatamento que valha a vida. Nem que por esse vulto você gaste o resto de sua vida em dúvida sobre a realidade da metafísica e percorra sem fim um caminho para recuperá-la de volta, tal qual um agrimensor K.)

(Pode parecer bobagem, mas só a sugestão de que uma verdade assim não exista nem nunca tenha existido me tiraria qualquer vontade de viver. E eu não acredito que ela existe por desespero ou para ser contra a moda; eu acredito porque, no fundo, eu sou um romântico.)

*durante muito tempo eu acreditei que formas poderiam ser metafísicas sem possuir um objeto. Eu obviamente continuo acreditando nisso - a existência e o poder da música talvez seja o argumento mais forte de que as formas podem carregar por si próprias uma verdade real. É preciso ter cuidado, no entanto, para não deixar que isso se transforme em um dandismo vaidoso, obcecado, e sufoque afinal o espírito.**

**caso você sinta isso, que você é um espírito nobre que está sendo tomado inexplicavelmente por uma vaidade vazia, justificando a própria salvação em coisas do mundo dos homens, uma boa maneira de fugir disso é vendo os filmes do Tarkovsky.***

***não que a arte vá lhe salvar (eu não acredito que vá, embora eu seja um romântico), mas eu acredito que ela - essa arte a que estou me referindo como do meu interesse - é ainda a única forma e a única motivação de insistir no mundo. E eu acredito no mundo. Eu reclamo, eu me desaponto, mas no fundo eu acredito.

3. Eu não comia vegetais até os 20 anos, mas hoje em dia eu já como. E eu só vim a comer damasco pela primeira vez há cerca de três meses. Por essa vocês não esperavam, né?

4. Eu acredito em gênios.

5. Eu sou tímido.

6. Ah, essa é interessante. Até o ano passado, minha postura comum era não gostar, inicialmente, das pessoas e desconfiar sequer da existência de algum espírito na maioria delas. Talvez eu continue desconfiando, mas eu passei a me importar menos com isso e me tornei uma pessoa mais receptiva. Sou um jovem inofensivo, afinal. Não é happy?

7. Eu gosto das roupas da Lady GaGa.

8. Eu sou um pessoano, um baudelaireano, e portanto preciso de entorpecentes para enxergar a verdade por trás da superfície. Os meus pais já perderam a cabeça e simularam desmaios com isso ("Você está perdendo as estribeiras...!!!"), mas afinal se acostumaram, já que nada pode ser feito.


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Terminei. É tudo o que vocês precisam saber sobre mim, agora podem ir direto para os arquivos e conferir alguns posts imperdíveis. Agora vou deixar uma estrofe simpática e me despeço com um aceno.

Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avozinha que anda
Pedindo esmola às portas da Alegria
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(Álvaro de Campos)

21 de fevereiro de 2010

adenda ao post anterior

O último comentário a fazer sobre o Fassbinder é que ele quis fazer filmes como se fosse um prosador americano: vigoroso, insensível, instintivo, físico - muito embora a natureza dos problemas de seus filmes seja bastante européia, assim como a natureza de sua descrença. Seus filmes dizem: "Não há nada além do mundo. Não existe metafísica ou uma verdade real, é tudo um completo teatro." É afirmar que não há mesmo uma verdade real em nada, nem no drama ou na teatralização. E a afirmação ganha pontos de exclamação ao defender essa idéia de forma negativa, moralista, grave e final. É uma tentativa afinal de ser cruel.

A minha conclusão é surpreendente: seria cretino da minha parte rejeitar a interessância (meu deus, como eu gosto dessa palavra) do Fassbinder porque o mundo que ele vê é um mundo que eu não suporto. No final de qualquer argumentação, a gente acaba assumindo que é simplesmente uma questão de interesse, e que esse interesse tem a ver com a forma como eu prefiro ver o mundo, e que definitivamente não é o mundo de Lágrimas Amargas de Petra Von Kant.

20 de fevereiro de 2010

The truck driver asked "Is this the place?", and George Eastman answered "Yeah." ou O Post Mais Espiritual Deste Blogue

Olá! Aqui havia um post imenso e metafísico reclamando do Fassbinder, por ser um diretor tão terreno, o que desagradou meu lado metafísico. Meu amigo imaginário me sugeriu de remover o post temporariamente para refazer a reflexão e talvez eu o poste, reescrito, no futuro. Era um post imperdível. Cheguei a comparar a fé em A Place in the Sun e n'O Sétimo Selo, filmes estilisticamente tão distintos - não é gorgeous? Quem leu, sabe. E quem não leu... Bom, quem não leu, pode esperar!

18 de fevereiro de 2010

em que falo desenfreadamente sobre cinema

Fassbinder é um diretor rancoroso. Seus filmes são sobre um adolescente descabelado que bate com a palma da mão o bumbum de um recém-nascido e diz: "Você é patético, vai ter uma visão de mundo patética e não vai poder fazer nada a respeito disso, porque toda a linguagem que você vai absorver também é patética. Vou aproveitar que você acabou de nascer e vou fazer um filme zombando disso." Não me surpreende que tenha morrido tão jovem, o coitado.

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Wylliam Wyler é um grande diretor, e The Heiress é um grande filme.

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Antonioni, além de um grande cineasta, também era um grande cabeleireiro, e os diferentes visuais da Monica Vitti em seus filmes servem como prova disso. (O meu favorito é o loiro-exuberante de O Eclipse, que também é, dos seus filmes, o de que mais gosto.)

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O melhor western pederástico de Hollywood se chama Red River, cujo nome também é deliciosamente sugestivo.

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Tarkovsky não gostava de Solaris porque não gostava de ficção científica (por conta de ser uma adaptação de um livro de ficção científica e de não ter entrado em consenso com o autor, acabou sendo obrigado a manter assim). Já eu gosto muito de Solaris justamente por crer que subverte docemente a ficção científica num gênero, por assim dizer, espiritual (mas, ué, tem background mais espiritual que uma estação espacial em que toca Bach?). Mas o Tarkovsky não concorda comigo. Ele diz num documentário que não conseguiu superar a "estética de ficção científica" no filme e evidenciar os valores que queria, como o pôde fazer em filmes posteriores. Ele não concorda comigo, e quanto a isso eu não posso fazer nada.

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(Eu não sei se eu deveria falar isso, mas já que estamos falando de modo tão entusiasamado sobre ficção científica, quero dizer que acho AI: Inteligência Artificial um filme muito querido. ^^)

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Quanto, ainda, à suposta subversão de gêneros cinematográficos, é pelo mesmo motivo que gosto muito de King Kong, mesmo sendo tão porcamente produzido e dirigido. Não é, afinal, um filme de horror, mas uma tragédia romântica da pesada. Minha fantasia de carnaval ia ser de King Kong, com uma boneca de pano loira na mão com um rec-repete dentro gritando AAAAAAHH!!, mas não tive tempo de preparar. Quem sabe em 2011.

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Louis Garrel tem acne. Eu já falei disso em outros lugares e vou falar enquanto puder. Ele tem acne e não é pouca, podem conferir no google.

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Voltando ao Tarkovsky: belo bigode, belo peitoral. (Estou falando sério.)

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Douglas Sirk é um diretor bom também pelo fato de ter feito filmes de sucesso rindo da cara das pessoas que o consagraram, à época. Eu também me sinto um pouco Douglas Sirk, quando estou na presença de pessoas que acham que estou me divertindo com elas, quando na verdade estou me divertindo delas. É algo que faço até sem querer e com um pouco de arrependimento, mas afinal o mundo é mesmo um lugar engraçado.

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Eu adiei por alguns anos ver Fitzcarraldo porque pensei que nunca seria capaz de ver a floresta amazônica por três horas seguidas. Felizmente, um dia, tomei vergonha na cara e vi.

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Voltando de novo ao Tarkovsky. Numa certa altura de Stalker, um personagem diz "A fraqueza é grande, enquanto a força é nada. Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre, é impassível e duro. Quando uma árvore cresce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte, e flexibilidade e fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá."

A frase diz muito mais respeito ao cinema europeu do que ao cinema americano, sendo Hollywood a parte dura, inflexível (exceções: Montgomery Clift, Greta Garbo, Charles Chaplin, os maiores e que curiosamente nunca ganharam um oscar. Oh, um oscar!) (Na verdade, a frase não tinha originalmente nenhuma conexão com cinema, eu que me apropriei e tal.)

Sendo assim, em Hollywood, todas as atrizes querem ser Bette Davis e todos os atores querem ser Marlon Brando, inclusive eles próprios, fazendo os mesmos papéis duros e inflexíveis até o fim de suas carreiras. Nosso gosto por Hollywood é então no fundo o gosto por uma ilusão de força, e um inconsciente gosto pelo fracasso que se segue. O que não tira o seu mérito, já que todo mundo, independente do continente, acaba morrendo no final.

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Fellini amava o mundo, afinal, e eu também.

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Os anos se passam, uma nova década começa, e até agora não houve nenhum Bergman, nenhum filme da nossa geração que possa comer as migalhas de um Fanny & Alexander ou de um Winter Light.

14 de fevereiro de 2010

mais uma da esperada série "Querido diário,"

Querido diário,

Meu pai anda insatisfeito com meu hábito de estar indo dormir às 8 horas da manhã. Assim, ontem, por volta das 5 horas, entrou em meu quarto e me pediu seriamente para ir dormir. Sou um jovem frágil, querido diário, e acabei cedendo ao pedido do meu amado pai. Fui tentar dormir, mas não consegui. Só vim a dormir depois de 3 horas, ou seja, às 8 horas da manhã, horário em que eu acabaria pegando no sono de qualquer forma. "A vida está sempre nos pregando peças", já dizia a minha tia.

Chateado e inconsolável, contei dramaticamente essa história a um amigo e ele me chamou de mimado e quiçá irônico. Irônico! É uma situação muito simples: meu pai reclama do que eu estiver fazendo neste horário da madrugada: vendo filmes, conversando com meus amigos zumbis no msn ou bebendo cerveja em algum boteco furreca. Ele quer tirar de mim o direito de ficar acordado até 8 horas da manhã e de usufruir da minha juventude, meu maior e mais valioso bem, dado a mim por Deus com a ajuda da mãe natureza.

Oh, querido diário, tudo isso eu contei para o meu amigo da mesma forma como estou contando a você agora. Mas ele riu da minha cara. Sabe, diário, eu, no fundo, não estava tirando uma piada ou ironia do meu insolúvel problema. Tampouco, fazia uma grande cena teatral: o pobre rapaz com um problema irreversível. Talvez estivesse fazendo isso na superfície, mas, no fundo, eu estava sendo tão gravemente sério ao ponto de ninguém me dar qualquer bola. Eu tenho certeza de que fui mais sério assim do que se tivesse sido referencialmente sério, do que se tivesse dito "Meu pai queria que eu dormisse, fiquei meio chateado porque queria ficar acordado, mas agora já está tudo ok." Acho que o drama, a tragédia ou a ironia talvez sejam as únicas formas de se ser sinceramente sério, e por isso fiz como fiz, como venho fazendo e espero continuar a fazer até o fim dos meus dias e noites.

Além de ter passado o dia inteiro um tanto aborrecido com o fato de não poder ter dormido na hora em que eu quis, ainda assisti por acaso a Hiroshima, Mon Amour, que é provavelmente o filme mais desonesto que eu já vi, por ser algo que me orgulho de que nunca serei: referencialmente sério. Querido diário, a verdade é que eu não tenho paciência para esses franceses (ou francesas) de algumas décadas atrás que me olham de cara feia. Dou a língua para todos. A única francesa que pode me olhar de cara feia é a Brigitte Bardot, minha eterna e inimitável B.B.

Mas isso o meu amigo não entendeu, e eu também não fiz questão de explicar, como o estou fazendo nesta folha branca, perfumada com rosas e com um enorme SENHOR DAMASCO carimbado no canto superior da página, com tinta marrom-fosco, que certamente é uma ótima cor para carimbos.

Hoje, mais tarde, em vingança a todos, trancarei dramaticamente a porta do meu quarto e, com um close em meu rosto vindo do meu abajur creme, farei sem restrições aquilo que eu mais quis fazer ontem e não pude: dormirei às 8 horas da manhã, com um enorme sorriso de prazer em meu rosto.

Um abraço de seu simpático dono,
O senhor damasco.

buster keaton

Uma boa maneira de visualizar o cinema de Buster Keaton, pensei com meus botões, é vê-lo como "Samuel Beckett meets Tom & Jerry".