23 de fevereiro de 2010

meu amigo imaginário não gostou quando eu disse que acredito em "gênios", então eu vou dar a minha opinião

(Dedicado ao Afrânio, o meu amigo imaginário. E ao Victor, que não tem nada a ver com isso, mas só porque ele vai me achar "fetichista".)

(Na foto, gênio: existe ou não?)


A maldade e a bondade caminham juntas, de mãos dadas, são seivas se alternando simultaneamente. Assim como a verdade e a dissimulação, a frieza e a fraqueza, a metafísica e a carnalidade, a descrença e a fé, ad infinitum. O Cosmos, tentem acompanhar minha linha de raciocínio, de alguma forma, se manifesta assim.

Eu não sei o que eu quero exatamente dizer com isso, mas quando Wilde diz que a vida imita arte mais do que a arte imita a vida, ele está dizendo: "eu mostro uma perspectiva do Cosmos (vamos supor, a crueldade) e, a partir dessa, os homens absorvem uma linguagem, formam as próprias linhas e constroem o que seria uma 'visão de vida'".

Levando Wilde ao extremo, não existiria esse mundo de múltiplas seivas confluindo juntas no mundo referencial. O que haveria de fato seriam distintos estilos artísticos, cada um refinado ao seu jeito, que serviriam de parâmetro para o que cada um vai ser.

Ou seja, cada um escolhe o mundo em que vive. (Ok, se é uma questão de escolha, se é uma influência dos astros, uma adequação ao ambiente, se é algum nível de destrutividade ou orgulho, não é esse o ponto. O ponto é que a partir dessa "decisão", independente da natureza de sua origem, o mundo do indivíduo vai se formar.)

Sendo assim, tudo seria uma questão de perspectiva e relativismo, e a arte seria o que leva cada um a um mundo tal. Eu gosto disso, e acho uma idéia muito bonita - eu particularmente me orgulho muito dos mundos que já "escolhi" viver.

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No entanto, se cada pessoa sai da redoma da própria pessoalidade, da própria linguagem que assumiu como "sua", e percebe que ela acabou se tornando mais um habitante de um mundo fechado; se consegue admitir que, fora desse mundo, existe uma confluência de outros mundos exteriores se misturando ao mesmo tempo e consegue, com uma linguagem, expressar todos esses mundos, para mim, isso é um gênio.

Eu não estou menosprezando ninguém. Eu amo Wilde, Tennessee Williams, Beckett, Cormac McCarthy, Manuel Puig, Fellini, Herzog - e eu amo o mundo que cada um deles construiu e eu adoro passar por cada um deles. Às vezes já me comporto como um estrangeiro visitando uma terra distante; doutras acabo desprezando todos os outros lugares que já conheci na vida e digo "Aqui é a minha pátria." Às vezes eu fico tão excitado que chego a dizer "Céus, isto aqui é mesmo genial!" E a maior virtude dessas casas é que elas oferecem ao homem o que ele mais quer: uma residência. Ainda que haja algumas que pareçam ter problemas estruturais (as casas do Beckett têm algo de errado com a postura dos móveis, por exemplo), essas inconveniências, no fundo, são a moradia que esses indivíduos "escolheram".

O que é mais difícil a respeito desse gênio é que ele parece ter uma compreensão do mistério e do absurdo que o mundo é, uma compreensão muitas vezes desconfortável. (Caso seja, não é um desconforto "acolhedor", como o que eu disse acima, ou uma compulsão masoquista.) É uma sensação séria de que existe algo de muito assimétrico no Universo que excede qualquer jogo de linguagem ou ordem lógica. Em suma, de que isto tudo é um tanto misterioso. Nós, mortais, ocasionalmente podemos sentir um pouco do vulto disso, mas não conseguimos escrever algo que sintonize convincentemente com essa compreensão (Se você consegue, por favor, me envie um email para marcarmos uma cerveja).

A obra de um gênio assim - eu nem sei se o mundo já conseguiu lotar uma carruagem com essa espécie - escapa de "uma visão própria de mundo". O que ela reproduz é simplesmente o Cosmos em si, com todos os sentidos impressos, todas as seivas se articulando, o subseqüente mistério que isso infere. Ela vai influenciar toda uma geração de artistas e pensadores por vir e esses artistas e pensadores vão diferir completamente um do outro outro, porque todos beberão de uma fonte verdadeiramente genial, de uma fonte primitiva, original, mítica.

Eu não vou citar exemplos de obras que representam esse tipo de experiência pra mim, porque eu não quero, porque eu sou ciumento e porque eu vou cair em clichês.

Também não as leio com freqüência, e muitas vezes elas nem são as minhas obras favoritas, porque, por incrível que pareça, eu não me julgo uma pessoa genial. E porque gosto de livros e filmes onde eu possa me sentir em casa (sou uma pessoa muito caseira), o que obviamente não acontece com obras dessa natureza.

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Eu também tenho as minhas dúvidas se é possível uma categoria tão forte assim, se é apenas mais um feitiço, se é apenas uma linguagem extraordinariamente mais bem empregada, "mais abrangente", "mais aberta". Mas, em resumo: mais um mundo à parte. Porque eu sei que é o que vocês vão pensar na hora de contradizer este post. Eu também tenho as minhas dúvidas. E, no entanto, insisto nessa obsessão. Vai ver porque acho tudo isso lindo, vai explicar.

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