27 de setembro de 2009

forças

O que move o mundo para a frente são forças. Forças de articulação. Sem insistência, os traços se tornam ainda mais grosseiros e a alma se dilui numa mistura suja, acinzentada. Por isso, amigotes, mãos à obra.

18 de setembro de 2009

um abre-alas

No começo do ano, tive uma pretensão, que era ler a obra completa do Mishima, ou pelo menos o que foi traduzido. Começou lá pelo dia 3 de fevereiro, quando comprei Confissões de uma máscara e Mar inquieto, edições da Cia. das letras. Uma semana depois, já havia lido os livros, que me agradaram bem acima da expectativa. Depois, não sei, meu computador deve ter quebrado, não comprei mais nenhum. Não lembro quais foram as outras pretensões que tive depois. E também já não importam. Hoje, refazendo o arranjo de minha estante, mal reconheci os livros. Saquei e abri numa página qualquer. Ei-la:

"As cerejeiras agora floresciam. Mas ninguém parecia ter tempo de ir apreciar as flores. Creio que os estudantes de minha faculdade eram as únicas pessoas que podiam ver as cerejeiras de Tóquio. Na volta para casa, depois das aulas, eu costumava passear entre elas, às margens do lago S, sozinho ou com dois, três amigos.

As flores pareciam de uma exuberância incomum naquele ano. Em parte alguma viam-se as cortinas listradas de branco e vermelho usadas nos piqueniques mais intimistas, normalmente tão comuns entre as cerejeiras que pareciam compor sua indumentária; tampouco havia movimento nas barracas de chá, multidões apreciando as flores ou vendedores de balões e cataventos; as cerejeiras floresciam à vontade em meio ao verde, dando-nos a impressão de estarmos vendo seus corpos desnudos. A generosidade gratuita da natureza, sua extravagância fútil, nunca me parecera tão bela como naquela primavera, chegando mesmo a despertar a minha suspeita. Fui tomado por uma incômoda desconfiança de que a natureza reclamava a Terra de volta para si. Pudera, o esplendor daquela estação não era uma coisa qualquer. O amarelo das flores de mostarda, o verde da grama nova, o negro dos viçosos troncos das cerejeiras, o pesado dossel de flores pendendo das copas, tudo isso refletia em meus olhos com uma vivacidade de cores cingida de malevolência. Era uma conflagração de matizes."

7 de setembro de 2009

"a arte que sai de dentro"

(Post bobo, dedicado ao periquito australiano de minha irmã que passou o feriado conosco)

Existem algumas coisas que não entendo. Juventude, você pensa. Apesar disso, existem algumas coisas que, por mais que eu me esforce, não. Dentre a razoável lista dessas coisas, as que eu não entendo, uma coisa específica que não entendo e que me impede de continuar a faculdade de Letras porque pareço ser o único no curso inteiro que não entende é o que seria a tal "arte que sai de dentro". É ainda uma linguagem circular, que se explica em si própria e para todos os seus falantes - quem está fora da roda é ignorante, patife, falcatrua, ou, pior, recebe aquele olhar fetichista de piedade dos sensíveis alunos. Ainda assim, tentarei ser um pouco categórico.

Certo dia, ouvi uma professora de literatura portuguesa, uma dessas que já estão quase do avesso de tão de dentro que sua arte sai, falando sobre uma marquesa aí do séc. XVII que era muito fria, uma artista muito rígida, e - oh, eu temia que ela usasse essa palavra! - clássica. Por Zeus! Não lembro os versos da tal marquesa, mas era uma versão à portuguesa de "Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito, exijo respeito, não sou mais um zzz..." Todos alunos muito sinceramente comovidos, tal. É preciso dizer que depois discutiram que foi uma mulher sofrida? Ó, Júpiter! Depois do famigerado carioca-que-nunca-foi-assaltado*, nunca conheci um tipo tão divulgado quanto a poetisa que não tenha sofrido a vida inteira, tirando baldes de água de poços-sem-fundo dos infernos.

Mas voltando, ou melhor, entrando, o que me constrange nesse tipo de aula é que os tais professores que pregam a tal arte-que-vem-de-dentro (e que, eu friso, não entendo) são os mesmos que passam semanas discutindo e resumindo gêneros literários com esquemas auto-explicativos. Ora, se a arte vem desse lugar tão inabitado, romântico e tumultuoso como o "dentro", como poderíamos sequer falar em gêneros, que são, sei lá, horizontes socialmente conhecidos *joga o cabelo*? Oh, porque a tal marquesa, apesar de toda a frieza arcádica em seu amargo coração, era uma transgessora que se impôs e as pressões de DENTRO não foram o suficiente para se encaixar nos moldes e - nesse momento da aula, simulo um desmaio - obedecer às regras. Porque Camões, vocês sabem, não foi um manipulador, mas um subversivo.

Se a questão de gêneros é sinceramente desafiadora por um lado, é ridiculamente simples por outro. Reconhecer as abstrações do Ideal e sua queda brusca no papiro (quedas que - há quanto existe a escrita? E, antes, a fala?), moldar, ultrapassar, harmonizar - já são discussões tão debatidas que ao menos propôr essas questões seria mais honesto que resumir cinco anos de uns pobres coitados à compreensão de quadros gerais, apresentação dos cânones ocidentais e depois o ensinamento de que esses autores eram todos muito loucos, muito pirados da cabeça, muito revoltosos e insubordinados. E, com essa lavagem, um estudante de Letras quase acredita que depois de dar uns gritinhos e de fazer a darlene em praça pública, se está a passos de escrever um grande romance. Porque, é bem sabido, vem de dentro.

A roupa da professora? Sandália de plataforma de madeira com detalhes prateados, bermuda jeans colada até o joelho e uma blusa *amarela* de lycra. Ly-cra, meus amigos. É a barbárie.

* Não sei vocês, mas eu pelo menos nunca conheci um carioca que já tenha sofrido sequer um arranhão. Não no Rio. Se vão pra um brejo em Minas Gerais, levam facadas, mas, em sua cidade natal, nunca.

6 de setembro de 2009

When Garbo walked out of the studio, glamour went with her, and so did I

Acompanhem minha historinha: era uma vez Beatriz, gerente de banco, quase uma trintona, leitora da Nova e frequentadora de bares de samba ou de "música diversa". E João, seu tímido namorado, estudante de administração, uns 22-0u-23 anos. Conheceram-se há 4 meses e então possuem o que poderia ser compreendido como uma relação séria, estável, companheiresca, etc. Um dia, João, emocionalmente volúvel, como sabíamos, conhece uma outra garota - no trabalho, digamos, estagiária-de-direito que fazia uma pesquisa na mesma empresa em que o rapaz de nossa história trabalha. Conheceram-se de alguma forma vulgar, combinaram uma cerveja e viveram uma espécie de romance por 1 mês - até que Beatriz descobriu tudo, logo que os flagrou comendo um churrasquinho, de mãos dadas, num restaurante. Chorou por uns dias e aos poucos voltou às atividades cotidianas.

Beatriz poderia ter ofertado um sacrifício a Hades em troca de uma boa maldição para João ou João poderia ter se remoído de arrependimento e arrancado os próprios olhos para que nunca mais visse a luz do sol. Beatriz poderia ter tido convulsões ou quebrado todos os pratos do restaurante. Poderia ter cravado um garfo no peito de seu amado e depois em seu próprio. A amante soltaria um grito de horror e correria para fora do estabelecimento. Ou um grande estouro poderia ter matado a todos. Oh, que delícia seria! Mas nada disso aconteceu, e se nada disso aconteceu - e, pior, eu não estava lá para ver - foi justo eu ter passado algum tempo sem postar.

--

Foi quando eu estava sentado na poltrona de couro que meu pai usa para tomar whisky, e vi escrita a seguinte frase numa folha "Acidente de carro mata 5 pessoas. Todas eram de menor" - e na minha cabeça construí o resto do sintagma: "Um dos passageiros era uma garota de 17 anos grávida de gêmeos" ou "Mãe do motorista arranc...", não, essa já foi, "Mãe do motorista toma medicamentos para suportar a dor e morr...", não, muito Michael Jackson... Não consegui solucionar um fim suficientemente interessante para a mãe do motorista, então logo notei o envolto da frase inicial e notei que se tratava da capa de um jornal. Um dia alguém me disse que tragédias só são bonitas dentro do teatro. Mas o que existe fora do que é o teatro eu não sei. *cruza as pernas*

--

Minha última encomenda:


"It was because of Garbo that I left M-G-M. In her last picture they wanted to make her a sweater girl, a real American type. I said, 'When the glamour ends for Garbo, it also ends for me. She has created a type. If you destroy that illusion, you destroy her.' When Garbo walked out of the studio, glamour went with her, and so did I."

(Gilbert Adrian)