7 de setembro de 2009

"a arte que sai de dentro"

(Post bobo, dedicado ao periquito australiano de minha irmã que passou o feriado conosco)

Existem algumas coisas que não entendo. Juventude, você pensa. Apesar disso, existem algumas coisas que, por mais que eu me esforce, não. Dentre a razoável lista dessas coisas, as que eu não entendo, uma coisa específica que não entendo e que me impede de continuar a faculdade de Letras porque pareço ser o único no curso inteiro que não entende é o que seria a tal "arte que sai de dentro". É ainda uma linguagem circular, que se explica em si própria e para todos os seus falantes - quem está fora da roda é ignorante, patife, falcatrua, ou, pior, recebe aquele olhar fetichista de piedade dos sensíveis alunos. Ainda assim, tentarei ser um pouco categórico.

Certo dia, ouvi uma professora de literatura portuguesa, uma dessas que já estão quase do avesso de tão de dentro que sua arte sai, falando sobre uma marquesa aí do séc. XVII que era muito fria, uma artista muito rígida, e - oh, eu temia que ela usasse essa palavra! - clássica. Por Zeus! Não lembro os versos da tal marquesa, mas era uma versão à portuguesa de "Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito, exijo respeito, não sou mais um zzz..." Todos alunos muito sinceramente comovidos, tal. É preciso dizer que depois discutiram que foi uma mulher sofrida? Ó, Júpiter! Depois do famigerado carioca-que-nunca-foi-assaltado*, nunca conheci um tipo tão divulgado quanto a poetisa que não tenha sofrido a vida inteira, tirando baldes de água de poços-sem-fundo dos infernos.

Mas voltando, ou melhor, entrando, o que me constrange nesse tipo de aula é que os tais professores que pregam a tal arte-que-vem-de-dentro (e que, eu friso, não entendo) são os mesmos que passam semanas discutindo e resumindo gêneros literários com esquemas auto-explicativos. Ora, se a arte vem desse lugar tão inabitado, romântico e tumultuoso como o "dentro", como poderíamos sequer falar em gêneros, que são, sei lá, horizontes socialmente conhecidos *joga o cabelo*? Oh, porque a tal marquesa, apesar de toda a frieza arcádica em seu amargo coração, era uma transgessora que se impôs e as pressões de DENTRO não foram o suficiente para se encaixar nos moldes e - nesse momento da aula, simulo um desmaio - obedecer às regras. Porque Camões, vocês sabem, não foi um manipulador, mas um subversivo.

Se a questão de gêneros é sinceramente desafiadora por um lado, é ridiculamente simples por outro. Reconhecer as abstrações do Ideal e sua queda brusca no papiro (quedas que - há quanto existe a escrita? E, antes, a fala?), moldar, ultrapassar, harmonizar - já são discussões tão debatidas que ao menos propôr essas questões seria mais honesto que resumir cinco anos de uns pobres coitados à compreensão de quadros gerais, apresentação dos cânones ocidentais e depois o ensinamento de que esses autores eram todos muito loucos, muito pirados da cabeça, muito revoltosos e insubordinados. E, com essa lavagem, um estudante de Letras quase acredita que depois de dar uns gritinhos e de fazer a darlene em praça pública, se está a passos de escrever um grande romance. Porque, é bem sabido, vem de dentro.

A roupa da professora? Sandália de plataforma de madeira com detalhes prateados, bermuda jeans colada até o joelho e uma blusa *amarela* de lycra. Ly-cra, meus amigos. É a barbárie.

* Não sei vocês, mas eu pelo menos nunca conheci um carioca que já tenha sofrido sequer um arranhão. Não no Rio. Se vão pra um brejo em Minas Gerais, levam facadas, mas, em sua cidade natal, nunca.

5 comentários:

Liv disse...

Pior seria se ela usasse tamancos de acrílico transparente. Ou aqueles da Gisele Bündchen (sei lá).

E mais disgusting seria se, ao invés da blusa de lycra, usasse uma CALÇA de lycra.

Luciano disse...

hahaha, reconheço quando sou superado.
olá, liv ^^

Caio Marinho disse...

É que a lycra vem de dentro.

ed disse...

Eu também abandonei a faculdade de Letras uma vez, por motivos parecidos :-)

Luciano disse...

^^