22 de novembro de 2008

"Eu dei minha beleza e minha juventude aos homens. Agora dou minha sabedoria e minha experiência aos animais." (Brigitte Bardot)

Estou criando alergia a blogs mal-humorados, sérios. Ainda, a palavras sérias. Você está o quê - com um imenso sentimento de mundo? Quando ouço alguém falando sério muito seriamente pra mim, faço um movimento circular com a língua ao redor da boca, várias vezes, cada vez mais rápido. Uma espécie de hipnose rápida que faz com a que a pessoa deixe de me ver e, conseqüentemente, deixe de falar.

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Quando as pessoas dizem que você precisa "saber ouvir", o que estão dizendo, na verdade, é que querem que você entre numa prisão. Uma conversa é uma tentativa de alguém aprisionar outrem. O que pode ser um ótimo fetiche. Ou não. E muitas vezes é não.

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Os Estudos Culturais são, na sua maioria, bobos. Os de todo o mundo, e os brasileiros também. (Fico tão feliz - não me contenho - quando vejo cineastas brasileiros achando que são realmente talentosos com seus filmes com travestis, drogados, minorias em geral, que tudo isso é mérito deles e não que são meras vítimas do modismo). A maioria dos Estudos só favorece mais incompetência, mais irresponsabilidade, mais ingenuidade. Mas gosto porque estimula reflexão e pesquisa, coisas que o Intelectual despreza em nome da Tradição ("não há o que ser feito, já está tudo lá"). Nunca esqueça: o cânone dos próximos 20 anos vai sair de uma enorme peneira que está sendo feita hoje, agora, e não é o professor universitário que lê as mesmas coisas há 30 anos, e que não está disposto a ler de outro modo, que vai desvendá-lo. Por ex: Imagine [crítico literário ferrenho do séc. XVII ou coisa que o valha] lendo Shantih Shantih Shantih.

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Acabo de descobrir 2 coisas sobre a Liv Ullmann; 1 óbvia e 1 inusitada. A óbvia é que, numa entrevista sobre Saraband, ela diz que é uma pessoa fácil e agradável e que fazia apenas o que Bergman mandava. A segunda é que Liv Ullmann é japonesa, o que amplia magistralmente meu catálogo de "filmes com japonesas que dizem 'uh'".

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Antes de sair de casa, penteio meus cabelos. Por sete minutos. Depois faço como que uma bagunça rápida no lado direito, pra dar um ar trágico. Um homem com consciência de seu cabelo é um homem com consciência de seu espírito.

21 de novembro de 2008

com vocês, Meu Humor

Existe um serzinho engraçado que mora em mim e que chamo carinhosamente de Meu Humor. Por sua culpa, já perdi amizades, já fui colocado na Inquisição, já recebi caras de "não entendi" e já fui chamado, vejam vocês, de cínico - em que consiste isso? Também relembro que, dos diversos seres que vivem dentro de mim, é possivelmente o único que não controlo em absoluto. Mentira, não é, mas não importa. Além disso, Meu Humor manipula muito deslealmente meus risos, de modo que às vezes você acha que estou rindo da sua cara, mas a verdade é que sou sua mera marionete.

20 de novembro de 2008

sentimentos nobres

Sentimentos realmente nobres. Alguns, tristíssimos, românticos. Irrecuperáveis. Demoram quatro minutos e vinte e sete segundos, e quando vêm não há o que ser feito senão apreciá-los como a um antigo livro de fotografias. Permitam-me.

19 de novembro de 2008

In the room women come and go talking of Donatella Versace

Abri hoje minha edição com a poesia completa de Eliot - sempre que pego, começo pela lovesong e depois penso qual-era-mesmo-o-que-eu-ia-ver. Um dia, há muito tempo, numa ida ao cabeleireiro, ocorreu-me algo curioso. Sei que era um dia meio conturbado e que eu ia ter que esperar, então decidi levar o livro. É um pouco difícil se concentrar ("Do I Dare / Disturb / The hairdresser") ou mesmo sentir os efeitos dos grandes ("In the room women come and go / Talking of Scarlett Johansson") versos, mas o que importa é que, ao pagar a conta, caiu uma gota de algum líquido desconhecido na capa dura e marrom do livro. Transparente, talvez uma base para unhas, mas que deixou até hoje uma marquinha perto do "S" dourado de "T.S." C'est la vie. Paguei a conta, agradeci à moça do balcão pelo chá-mate, olhei-me no espelho, penteei-me com os dedos. Saí.

Consequência inevitável: Eliot sempre me lembrará salão de beleza.

impressões sobre literatura brasileira ou Teoria das Cordinhas

Às vezes, me pergunto qual é exatamente o sentido da palavra "modernismo" em literatura brasileira. "Modernismo" me faz pensar que toda uma carga tradicional gigantesca acabou de desmoronar em razão dos novos modismos. E não sei exatamente que enorme tradição foi essa que desabou, ao mesmo tempo que "modernismo" me soa como algo tão brasileiro.

O problema ("problema", o imenso problema, sintam o peso da palavra) é que quase todos os escritores no brasil querem justamente escrever em razão desse modernismo, em razão desse avanço incrível em relação ao que se passou - mas o que se passou ninguém sabe, ninguém conhece, pouco importa se existiu. Escreve-se para contestar algo que exatamente não se sabe o que é. E, quando se faz defesa, a única coisa que vejo a ser defendida é essa contestação, que era inicialmente mero instrumento.

(Para ilustrar isso, lembro que outro dia ouvi uma estudante de Letras falando como gosta de escrever sem rédeas e automaticamente visualizei o grande Gênero dos Sem Rédeas, embora imaginar-se incluída dentro de um gênero pudesse ofender imediatamente a então jovem escritora - não, "ela não faz parte disso".)

A vantagem de a literatura brasileira ser assim - sim, é um modelo bonito - é que favorece apenas realmente talentosos, já que o Gênero dos Sem Rédeas é bem mais difícil de ser controlado e ultrapassado que o dos Com Rédeas. As desvantagens são duas: a primeira é que é muito fácil cair em mero confessionalismo ou culturalismo; a segunda é que quase todo mundo - quase todo mundo que escreve assim, eu digo - se acha um gênio. Um gênio com um copo de caipirinha na mão, mas um gênio, ainda.

10 de novembro de 2008

Enquanto digito

Enquanto digito, minha mãe está na sala querendo misturar um sofá marrom-aveludado e brilhoso com um conjunto de sofás bege claro. Repito. Enquanto digito, minha mãe está querendo colocar um capacete de power ranger na cabeça de Maria Antonieta.

9 de novembro de 2008

7 de novembro de 2008

a faculdade do senhor damasco

O que separa a minha casa da faculdade são apenas 2 ruas. 2 ruas grandes (uma é avenida), mas apenas duas retas. Saindo do estacionamento universitário, pego a primeira rua, ando um tanto, dobro, ando mais um tanto e estou em casa. Mais ou menos assim:Existem outros caminhos, por onde faço mais curvas, e alguns deles são até mais rápidos. Opto por esses porque às vezes é cansativo ir sempre pelas mesmas ruas - gosto disso, várias ruas que chegam a um mesmo local.

Por exemplo, dias há em que resolvo fazer este trajeto:
E às vezes opto por este:
Existe ainda um outro caminho, "o caminho da curva perigosa":

Temos, então, 4 possibilidades, fora as outras que eu ainda não encontrei, que descobrirei com os anos. Às vezes, escolho o "caminho da curva perigosa", mas sei que não é um caminho para todos os dias. Passar pela "curva perigosa" (e pelas outras - observem que uma curva perigosa trás junto suas amigas) me dá alguma glória de chegar em casa, acho. Doutras vezes, pego algum dos outros caminhos (o que não é nem o das 2 ruas, nem o da "curva perigosa") e me deparo com um trânsito incontrolável; a todos parece ser o caminho ideal: algumas curvas, pouco risco. Sempre me pergunto: será que todas essas pessoas estão indo para a minha casa? A outra surpresa é o fato de caminho das 2 ruas não ter, às vezes, uma pessoa sequer. Por que será?

Um dia, quando estava no caminho habitual (o das 2 ruas), um carro à minha frente ligou o pisca-alerto direito, indicando que iria dobrar. Mas não dobrou. Fui obrigado a segui-lo por quarteirões. Quando já estava na altura da minha casa, o carro continuou em frente, com o pisca-alerta ligado. Queria o motorista me enganar? Que eu permanecesse à sua espreita por quadras até descobrir que utilizava os códigos para me confundir? Sobre isso pensei um pouco, mas não muito. Sei que não fiquei irritado - gosto de dirigir. Desse dia me lembro de três coisas: a primeira é que o sol estava alto e usei isso como desculpa para usar meus óculos importados. A segunda é que fiquei curioso sobre o rosto do motorista - usaria ele barba? Seria uma mulher? Um padre? Um professor? A terceira era a cor do carro, que - isso eu já sabia - será certamente a cor do próximo carro que eu terei - roxo.

6 de novembro de 2008

sobre literatura confessional

Expor declaradamente segredos, assuntos íntimos, sofrimentos pessoais, etc, é exatamente o oposto da literatura. Tal declaração está certíssima, com alguns limites. Quer dizer que literatura confessional é um contrasenso, mas:

1) não quer dizer que confissões em geral não sejam louváveis (quando muitas vezes são interessantíssimas, e talvez o motivo de escritores tão bons manterem diários ou amigos a quem confessar seja justamente para separar aquilo que não deve se misturar);
2) não quer dizer que confissões inventadas/teatralizadas não possam ser revestidas com o manto da Senhora Habilidade e da Princesa Contenção e transformadas em arte.

Primeiro (acabei de ver que esse post vai ser longo, uau) porque falar declaradamente sobre as próprias mazelas não ajuda a resolvê-las - e se ajudasse, também se anularia, pois autorizaria que a literatura é algo que existe para se ajudar, o que é complicado. Um bom exemplo disso é Clarice Lispector, a maior escritora de auto-ajuda brasileira, lida e relida pela juventude-nossa-de-cada-dia querendo se encontrar, etc. A crítica é fácil e coerente - primeiro porque a própria escritora se dizia amadora (o que na verdade está dizendo é "vou bater minha cabeça na parede e depois dar umas piruetas - não me encham o saco") e depois porque ela própria encarnava fielmente todas as suas personagens sofridas e confessionais em entrevistas, cartas, fotografias. Se, no entanto, vejo todas suas personagens (e a própria autora) como uma única personagem meio possessa e dissimulada escondida dentro de um Grande Romance, passo a gostar de alguns de seus livros.

Eu próprio, que também já tive meus 14 e 15 anos, já cometi alguns deslizes dessa natureza, quando conheci a obra da Sylvia Plath. Julguei errado provavelmente porque era mulher e não mulherzinha como Clarice Lispector, embora sempre estivesse perdida em comentários feitos por mulherzinhas e meio misturada em citações sobre as mesmas. Ler a obra poética de Sylvia Plath como uma menina de 15 anos lê Clarice Lispector - o que é normalmente feito - não é apenas errado, é um vexame (desconfio seriamente que Sylvia suicidou-se não por causa de seus problemas pessoais, mas porque sabia a natureza dos fãs que iria ter). Se existe tom confessional e presença de dados sofridos da escritora - e, sim, existem muitos -, está tudo contaminado de técnica, simplicidade e distanciamento que poderiam ser informações inventadas por um outro - em algum nível, são inventadas. Ainda, afasta-se do conceito de "confessional" porque não é feito para buscar ajuda para a autora, o perdão (nem que seja vindo de si própria) pouco importa. No entanto, à época, foi necessário a mim ler as 800 e poucas páginas de seus diários para concluir que sua crueldade não vinha do fato de que sofreu muito e que queria falar desse sofrimento, de que estava se rendendo, blablabla, mas porque passava horas aristotélicas por dia sentada enquanto reescrevia centenas de vezes seus poemas de modo a parecer o mais cruel e simples o possível - o que conseguiu com Ariel, um livro póstumo.

O que eu concluo, além disso, é que o confessionalismo puro é uma medida tão impossível quanto o realismo puro ou mesmo o autobiografismo puro. Justamente porque querem falar de coisas sem ficcionalizá-las, sem refiná-las - querem falar de coisas. Isso pode ser de interesse de psicólogos e antropólogos, não da literatura. Aqui estamos falando de estilo, e a única possibilidade do "confessional" ser inserido é dentro de uma perspectiva estilística. O problema dos escritores que querem fazer literatura confessional é achar que estão se entregando, que estão fruindo, vingando e que depois tudo vai passar. Se um escritor de literatura quer ter um mínimo tom confessional na sua escrita e ser bom (o que não inclui os gênios), é preciso se afastar quilômetros dessa concepção, ou vai parecer uma barata tonta.

O que eu quero dizer, para concluir, é que: se for para ler Sylvia Plath, ler ao menos como ela gostaria de ser lida - não como uma pouco gentil avalanche de sentimentos femininos, mas como um exercício técnico, um refinamento de estilo que pouco parece sequer humano. Ou vocês concebem conhecer a mulher por trás da cortina: "I have your head on my wall. / Navel cords, blue-red and lucent, / Shriek from my belly like arrows, and these I ride."? Quanto à Clarice Lispector, não aconselho nada, só estou dando direcionamentos para você, mocinha de 15 anos - que sente demais, para quem a vida é demais - ampliar o horizonte de leitura. Infelizmente, isso é em vão, pois a mocinha imediatamente veste sem saber a persona clariciana a me responder "Tenho uma grande vida, sou livre e mágica como uma fada, não vou lhe ouvir!" antes que eu me esconda e fuja pela saída de emergência.

4 de novembro de 2008

pequenas verdades (12)

a força que uma pessoa exerce sobre as outras é unica e somente a força do seu estilo. se você escreve da mesma forma por anos a fio - se essa forma já era ruim -, isso significa que você é fraco como um frango desossado pronto para o almoço.

1 de novembro de 2008

he looked at the expriest and at the slow gouts of blood dropping in the water like roseblooms (parte II)

resolvi procurar fotos de indígenas americanos, ali pelos fins do séc. XIX. achei algumas bacanas aqui. a maioria é de um período pouco posterior ao que se passa no Blood Meridian, mas eles não devem ter mudado tanto assim. minhas favoritas são essa, essa, essa e essa. notem que essa aqui possui "girl with smile" na legenda, mas, depois do livro, eu só consigo pensar em termos de "girl without head" ou "girl's scalp" ou "girl without hair" ^^