20 de outubro de 2009

heterônimos de Pessoa: escolha já o seu

a) Você está numa festa em que a pessoa mais velha tem 19 anos. Público: estudantes de moda getting arty. Qual heterônimo de Pessoa você é? Obviamente, Ricardo Reis.

b) Você está num sarau, porque o pai de um amigo seu é violinista e todos são entusiastas de Bach. Qual heterônimo de Pessoa você é? Álvaro de Campos.

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Ok, isso não vai funcionar. Porque a adolescência de Álvaro de Campos é real, é preciso entrar em seu mundo adolescente mais ou menos como num filme do Gus Van Sant: um mundo adolescente, personagens adolescentes com uma linguagem adolescente, você é que se ajusta ao mundo deles. Baseado nesse argumento que eu não ligo de afirmar que mantenho e sempre manterei vivo o Álvaro de Campos que vive dentro de mim, de você, de cada um de nós. Ok.

Esclarecido esse primeiro ponto, o melhor que há em Pessoa é Ricardo Reis. Não há segundo ponto. Poema de despedida do post:

Não só vinho, mas nele o olvido, deito
Na taça: serei ledo, porque a dita
É ignara. Quem, lembrando
Ou prevendo, sorrira?
Dos brutos, não a vida, senão a alma,
Consigamos, pensando; recolhidos
No impalpável destino
Que não ‘spera nem lembra.
Com mão mortal elevo à mortal boca
Em frágil taça o passageiro vinho,
Baços os olhos feitos
Para deixar de ver.

(Ricardo Reis)

15 de outubro de 2009

um assunto consistente e outras aleatoriedades

(Post com ilustrações. Assim terei mais visitantes e mais assinaturas no Google Reader.)

Hoje fui me dar conta que este blog nunca teve um assunto consistente: sempre foi algo anedótico, tautológico, como que se desculpando, se orgulhando ou fazendo comentários engraçadinhos e muitas vezes impertinentes. Não sei o que fazer a respeito.


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Vencedora do último nobel de literatura: bons lábios, bom corte de cabelo.

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Suponhamos que, dentre a lista de cinco ou seis assuntos que englobam todo o corpus literário do Ocidente, um deles seja o "desejo", o Eros, o "faz-músculos-vacilarem". Ou melhor, supondo que são apenas cinco assuntos (esse sexto foi uma gentileza gratuita), e que os outros falam sobre guerras, dinossauros, abajures e melancolia sincera, tudo o que o Ocidente trata como "amor" está necessariamente misturado e englobado no Eros. Não é um assunto, como se poderia pensar, à parte. Dido não ama Enéias fora disso: ela arde cidade afora, como uma bacante.

No entanto, por uma escolha estética, muitas vezes apenas um lado está claro. Não é questão de concordar ou não, mas sempre me pareceu mais interessante visualizá-los inseparáveis, mesmo que o mundo não concorde ou que o próprio autor não tenha tido a intenção. Sou um manipulador.

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Sobre Confissões de uma máscara:

É frustrante, para a trupe formalista que somos eu, meu cachorro Alfie e meu amigo imaginário, admitir que o que mais me interessa em Mishima não é o seu estilo. Leio Mishima como quem lê um diário, interessado objetivamente nas informações que eu tenho para assimilar e não nas linhas do bordado.

No entanto, o espírito (o meu, o leitor, o comentarista engraçadinho) torna-se igualmente elevado com o passar de páginas, como se estivesse diante de uma complexa rede de ornamentos e adornos indecifráveis. Assim, temos duas possibilidades:

a) O texto é sublime justamente por isso, porque é uma complexa rede de ornamentos que não consigo decifrar - e portanto eu sou um pateta.

b) Não é nada disso, o texto é simples e direto, exatamente como eu pensava. Sendo assim, é preciso admitir que existem categorias que nada têm a ver com o estilo, e que tornam o texto sublime.

Existe uma terceira possibilidade, que é a de admitir que ambas alternativas estão corretas: o texto possui uma rede complexa e, ao mesmo tempo, é simples e direto. Para validar isso, basta acrescentar milhares de frufrus às imagens, ou sacadas e reviravoltas espertinhas, digamos, ensaiar conscientemente, "enriquecer" o texto. Assim, admitiríamos que sua sinceridade evaporaria, sua franqueza viraria um recital de ballet. Ou seja, a ausência de um texto pomposo ou a aparente ausência de retalho também seria uma marca da "rede complexa" do Mishima.

Bom, mesmo assim, seria admitir que eu me surpreendo com o texto porque ele possui um "estilo cru", "uma sintaxe limpa" (o que obviamente não quer dizer mais fácil que o oposto) - o que é apenas parcialmente verdade. Muito timidamente verdade.

Conclusão: ser formalista demais às vezes é boboca. A decisão final, que eu não vou assumir porque aí já é demais, é se isso - o je-ne-sais-quoi de Mishima -, se trataria de literatura ou é matéria de outra ordem. Vai saber. Obrigado por terem lido até aqui. O assunto do próximo post vai estar quente, aguardem.