27 de abril de 2010

shake, shake, shake, shake it off

O King Lear e o Hamlet de Grigori Kozintsev são muito bons; o Hamlet, particularmente, faz Laurence Olivier parecer uma bailarina debutante do High School Musical. Aliás, acho que Laurence Olivier só decidiu filmar Hamlet porque queria pintar o cabelo de loiro, o que ainda por cima não caiu bem com seu tom de pele. Essa vida, essa vida, é misteriosa ou não é?

22 de abril de 2010

hoje eu vou falar da realeza

(Na foto, a realeza)


No, no, no, no! Come, let's away to prison:
We two alone will sing like birds i' the cage:
When thou dost ask me blessing, I'll kneel down,
And ask of thee forgiveness: so we'll live,
And pray, and sing, and tell old tales, and laugh
At gilded butterflies, and hear poor rogues
Talk of court news; and we'll talk with them too,
Who loses and who wins; who's in, who's out;
And take upon's the mystery of things,
As if we were God's spies: and we'll wear out,
In a wall'd prison, packs and sects of great ones,
That ebb and flow by the moon.


(King Lear, Shakespeare)

Se existem dois tipos de personagens sobre os quais Shakespeare adorava escrever, um é sobre o pervertido que é punido no Ato Final, e também sobre o homem generoso que por alguma razão finge enlouquecer. E esses tipos, até onde eu me lembre, não se confundem (Não dá pra dizer que Macbeth é uma pessoa generosa ou que Othello é um homem mau, por mais que a gente queira ou por mais que não sejam personagens caricatos. O que nos atrai neles é a corrupção num e a generosidade noutro, enfim.)

Mas Rei Lear é um personagem particularmente esquisito. Apesar de ser áspero em relação à própria honra, não dá pra dizer que não seja um homem generoso. Além disso, sua aspereza não chega a ser prazerosamente desagradável (como é prazerosamente desagradável ver Iago sendo maquiavélico), o que seria efeito de um vilão; a postura ríspida de Lear chega a ser engraçada e ingênua, como um senhor ofendido porque a filha não quis beijar sua mão.

E esse pequeno fetiche que é a honra de Lear, que não incomodava ninguém, é continuamente objeto de chacota, o que acontece meio rápida e forçosamente; enfim, o que só deixa tudo mais absurdo. A forma vaidosa como Lear cultiva a própria honra, embora desencadeie os acontecimentos trágicos, não é exatamente vulgar; é antes vulgar o modo como os personagens a ridicularizam a troco de nada. Ao contrário, se Lear tivesse sido um pouquinho vulgar e não tivesse dado o poder às filhas, nada teria acontecido. A tragédia do rei é aperceber-se de que:
a) um homem nobre não pode ser sempre nobre se quiser conviver em harmonia com outros homens;
b) para ser rei, no sentido mais prático do termo, é preciso ter um pé na própria nobreza e outro na vulgaridade do mundo, enfim, não porque o mundo é mau, mas porque o mundo é mau também;
c) se essas instâncias forem desrespeitadas, o homem nobre continuará nobre, mas acabará ocasionalmente apunhalado.

Quanto ao final da peça, não é preciso dizer que é bizarro. As filhas mais velhas saindo no tapa por um jovem que acabou de sentenciar o rei; humilhando-se porque não conseguem mais domar a situação, mais ou menos da mesma forma como Lear se humilhou anteriormente a elas. Numa montagem que imagino da peça, Edmund seria um jovem bonito, atraente, porque a beleza é algo mundano; não por uma razão de outra categoria as filhas cairiam aos seus pés. O que não torna uma razão menos misteriosa (Oh, isso é tão shakespeareano!) Por fim, os maus e bons sendo aleatoriamente punidos, a carnificina final, etc. É tudo descaradamente insensato, lindo, absurdo, etc. Gosto muito!

Bom, para finalizar este post especial, sobre a fala de Lear que eu pus ali em cima, quando este é sentenciado: eu não sei por que a pus. É muito bonito ver que, à medida que Lear tem sua honra pisoteada e "enlouquece", ele também adquire o juízo que não tinha no começo, quando era aparentemente sensato. A prisão de que Lear fala, para onde é conduzido, não parece fazer sequer parte do mundo, mas, antes, à espreita do mundo; um lugar em que ele poderá viver, cantar e "laugh at gilded butterflies". O mundo que o sentenciou, o mundo do "who loses and who wins; who's in and who's out" é um lugar de onde o rei se afasta e observa de longe, como um espião. (Talvez seja a minha fala favorita da peça; certamente é uma passagem de que gosto muito. Por isso a pus, assim como só estou escrevendo sobre Shakespeare porque gosto. Minha mãe sempre diz: "Esse menino só faz o que quer!")

Enfim, é ridiculamente absurdo uma fala assim abrir um ato que acabará de forma tão querida e violenta. Mas tudo bem... eu gosto de carnificinas.

14 de abril de 2010

medéia

A tragédia de Medéia, muito maior que a de ter assassinado os próprios filhos, é a consciência de que a causa nobre na qual havia insistido em sua vida de nada lhe serviu. Medéia não é culpada de nenhum crime que havia cometido, era o amor por Jasão que comandava seus feitiços e perfídias. O amor é a nobreza de Medéia, sua única seriedade, acima de qualquer ordem do mundo dos homens. Ao ver que sua única causa é arrastada pela vulgaridade terrena, incluindo a do próprio marido, comete seu único crime: o de querer levar todo o resto à ruina para justificar seus desapontamentos, e de sentir prazer em ver desmoronando o que construiu. Tão engrandecedora é a carnificina de sua vingança quanto triste. Quer dizer, às vezes acho que é mais engrandecedora que triste; doutras, que é mais triste que engrandecedora. Ainda mais! Há dias em que penso que é apenas engrandecedora e nada triste e, noutros dias, em que estou chique e moralista, já penso que é apenas triste e nada engrandecedora. Hoje eu não sei o que pensar, pois estou fatigado.

11 de abril de 2010