30 de outubro de 2008

he looked at the expriest and at the slow gouts of blood dropping in the water like roseblooms

Pergunto-me, quando leio o McCarthy - não, não é sobre o tamanho do capacete que usarei quando for ao Texas -, mas, assim, que personagens são esses? Quem é aquele Judge Holden? Ainda mais porque o livro - estou falando de Blood Meridian - possui ar de quem está apenas contando uma história de violência e de, sei lá, crescimento. As construções míticas e alusões (ainda reforçadas pelas fortes e incansáveis referências a cidades e tribos existentes, ou melhor, agora massacradas) são válidas, justamente por não parecerem nada disso*.

No muito bom Tratado do Sublime de Longino, existe um argumento das boas imagens não parecerem imagens, e é mais ou menos, ou um extrapolamento disso, no Blood Meridian: existem tribos de índios sendo massacradas e os scalphunters que não estão sendo também massacrados estão indo westward, e existe uma criança de Tennessee de 14 anos sendo educada nesse meio, mas o mundo mítico (notem minha seriedade) que é reconstruído a partir disso, os clichês da história americana, e a própria América e blabla - tudo fica por baixo dos panos - justamente para nos voltarmos para a criança, os personagens, os cavalos. Justamente porque Holden, provavelmente um dos melhores personagens já criados em ficção, está falando em latim enquanto tira o escalpo de uma criança Apache.

A força mítica do livro talvez dependa disso, inclusive. Existe, certa e paradoxalmente**, mais de Estados Unidos nessas 300 e poucas páginas de ficção do que no livro de memórias históricas de onde Cormac McCarthy tirou fontes. Mas não é apenas não parecerem nada disso. Elas podem, se quisermos, simplesmente não serem isso. O sangue pelo sangue, a dance of violence, assim eu prefiro. E o Holden. Ah, e o final do livro, lindo, lindo. Bom, leiam.

*um bom exemplo de onde isso não acontece é o resident evil do fernando meirelles.

**paradoxalmente, assim, né, na cabeça do meu professor de sociologia, do instrutor da minha academia, talvez na sua. para nós tudo isso é muito simples e direto.

28 de outubro de 2008

sobre um colega do passado e uma foto recente da brigitte bardot

Outro dia encontrei um colega. Digo, alguém que eu conhecia. Mentira, não encontrei, vi seu perfil no orkut - o que quer dizer a mesma coisa. Mas isso pouca diferença faz, pois consegui construir uma possível conversa nossa até eu concluir que - pasmem - ele diria a mesma coisa. Eu também diria a mesma coisa, por força das queridas convenções. Mas não é só isso: ele continua pensando a mesma coisa. Eu diria que é praticamente a mesma pessoa - salvo um corte de cabelo, umas novas amizades. Passei alguns minutos pensando sobre esse meu colega que continua o mesmo (como minha tia diria, "hohoh, não mudou na-da!") e senti uns zumbidos na minha orelha.

Lembro que uma vez ouvi esse mesmo colega dizendo algo sobre as coisas simples da vida. Tudo bem, ele não disse, mas poderia ter dito. Ele certamente disse, eu que estava desatento. Então, disse que gostava das simplicidades da vida e que (aqui começa o discurso) - no fim de tudo -, só nos resta um banho de sol, uma boa companhia e dar umas boas risadas, por aí, vocês sabem. Mas não foi tudo, ele também disse que é uma pessoa muito transparente, que gosta de preto no branco e que fala mesmo. Ou ainda, ele disse que não fala, que não deve satisfações a ninguém. Na época, eu achava pouco convincente; hoje concluo que de teatral não havia nada em seu discurso: meu colega era de fato transparente, gostava das coisas simples da vida, e as outras. Apenas as circunstâncias eram outras.

Ver o orkut desse meu colega - ou seja, ver o meu colega - é como ler pela 2ª vez um livro ruim para concluir que o argumento do livro não mudou. Tudo o que mudou, e nem mudou tanto, foi a minha leitura - que pode ter sido desatenta na primeira vez, mas não teve muito a perder para a segunda. Circunstâncias. Agora, como prometido a todos vocês no título (e uma qualidade minha é cumprir as promessas), uma foto recente da brigitte bardot, grande BB*:


*sempre que ouço alguém dizer que "não deve satisfações a ninguém", penso em fazer essa mesma cara aí de cima. tudo o que eu queria fazer, na verdade, era unir o "não dever satisfações a ninguém" à foto. daí inventei essa história toda. ainda assim, devo muito aos que por ventura serviram de inspiração. grande BB.

25 de outubro de 2008

hábitos curiosos (2)

O palestrante se dirige aos colegas, testa o microfone com duas batidinhas e conta alguma história inusitada pra quebrar o tom de formalidade. Depois da milionésima vez (espero que algum deles esteja me lendo agora), o palestrante não percebe que isso de contar alguma coisa engraçadinha no meio daquela pomposidade toda virou uma outra formalidade, tão boba quanto as outras. O palestrante ainda assim se diz irreverente, despojado, descontraído.

hábitos curiosos (1)

Recentemente assisti a tal peça do Púcaro Búlgaro (cheguei com um ou dois anos de atraso, mas a culpa não é minha, a culpa é do lugar onde eu moro), e concluí coisas engraçadas, não sobre a peça, mas sobre comportamentos do público em geral. O hábito de aplaudir e rir freneticamente a cada 5 minutos me fez refletir sobre as consequências que isso teria para as outras artes - ou mesmo para o próprio teatro.

Alguém aplaudiu Aristófanes após o coro declamar "Em cima deles cospe um largo e grande escarro / musa deusa e comigo / em folguedos celebra"? Imaginem multidões interrompendo a leitura de The Wasteland para aplaudir logo após "A crowd flowed over London Bridge, so many / I had not thought death had undone so many." Ou então alguém dá pause no dvd e todos se juntam para aplaudir a cena do ovo de O Império dos Sentidos.

Daí alguém me dizer que não, que no teatro é diferente, que lá é como se você quisesse estimular os atores, mandar good vibes, hm. Se vocês tivessem visto a cara vermelha da senhora ao meu lado, o pescoço se dobrando e suas mãos histericamente aplaudindo. Não exatamente charmosa, motivante. E para não dizer que não disse nada da peça, vou dizer que é uma coisa meio Sai de Baixo.

14 de outubro de 2008

modelos sociais a serem seguidos: O Garoto ITA

Vou me explicar: antes de qualquer coisa, o Garoto ITA não necessariamente estuda no ITA (aquele lugar onde se formam engenheiros), e na verdade prefiro os que não estudam. O Garoto ITA, de todo modo, sempre foi destacado em sua sala de ensino médio por suas habilidades em fazer os exercícios complementares dos volumes de Física Clássica. O Garoto ITA sempre cresceu com uma grande motivação: um grande cientista, um grande engenheiro, o orgulho dos pais e de toda a família.

A história do Garoto ITA (Acho que esse post vai ser um pouquinho longo, então é melhor vocês saírem, se não forem ler tudo) não foi fácil. Para estudar num bom colégio privado, foi submetido a exames que comprovassem sua competência, já que seus pais não tinham condições de pagar o colégio - porém, naturalmente, tirou o 1º lugar em todos. Aprendeu desde cedo a usar óculos e foi necessário pouco tempo para que se inserisse nos diversos jogos de linguagem dos garotinhos do ensino médio. Aqui conhece sua namorada, que o manipulará pelos próximos 7 anos. Estudava 4 horas por dia (valor surpreendente entre os colegas) e, pela noite, fazia musculação.

Conciliando, então, a pequena vida de gênio dos exercícios de livros de cinemática e a vida social, o Garoto ITA chegou a ir para shows de axé, com piscina e praia no fim de semana, amigos e churrascão. Bermudão florido e camisa da olimpíada brasileira de matemática. O Garoto ITA, como todo pequeno gênio, gosta também de músicas mais refinadas, especialmente Bossa Nova e Chico Buarque em geral. É também conhecido entre amigos por gostar de Literatura, ou o que ele próprio costuma chamar de "um bom livro". Preferência por Drummond. Às vezes cita algum nome estrangeiro atrativo, como Dostoiévski. É de praxe, nas bebedeiras do fim de semana, o Garoto ITA citar entre um e outro pedaço de lingüiça: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena". Filme favorito: Efeito Borboleta.

Para a surpresa de todos, infelizmente, o Garoto ITA não passou no vestibular, que é o mais difícil do país. O constrangimento foi logo esquecido pela família e o Garoto ITA cursou Engenharia Mecânica ou Computação ou Física na universidade federal de seu estado. Consciente das disputas de mercado, porém mais consciente ainda do quanto é inteligente, o Garoto ITA logo se interessou por leituras como A Arte da Guerra, O Sucesso é ser Feliz e Estudantes Competentes, Profissionais Ricos, que naturalmente acompanham até hoje seu orkut ao lado do último livro do Chico Buarque e de Irmãos Karamazov, que nunca concluiu. Com sua nova bolsa de pesquisa aprovada pelo CNPq, o Garoto ITA passa a comprar suas próprias roupas - o que, até os seus primeiros 21 anos, era de responsabilidade da mãe aposentada. Preferência: 2 peças por 1 na Skyler, tênis nike.

Daqui a poucos anos, estará formado. Bom estudante que é, conseguiu uma aprovação para estudar na Europa. Em breve, fará sua primeira viagem para Paris com sua namorada e companheira. Na volta, eles e os amigos estarão entusiasmados com suas fotos em frente à Torre Eiffel, em pleno inverno europeu. O casaco ficou grande, pois era emprestado de um tio. O Garoto ITA atualiza sua foto no orkut, e põe no about me que "possui grandes sonhos". Amanhã irá para o show do Bon Jovi.

sobre a Pedagogia

cursos de educação: a melhor maneira de concentrar todos os jargões universitários das áreas do conhecimento num só indivíduo. o Educador sai reproduzindo seguidamente frases como "Temos que superar o preconceito de que a Idade Média foi um período de trevas" ou "Sócrates, além de criar um novo modelo educacional, também desafiou a socied.."(parei). o Educador coloca suas roupas emprestadas do começo dos anos 90 que hoje são vendidas a 10 reais na loja de departamento mais próxima e começa com grande ar encorajador a pronunciar nas salas todos os clichês que aprendeu por todos esses anos. Apesar disso, o Educador é cidadão de bem, provavelmente social-democrata, bem-intencionado. Gosta de Bossa Nova e ficou triste porque Central do Brasil não ganhou o oscar. Saio de suas aulas um pouco mais motivado, sinto-me um pouquinho mais capaz e vejo que estou desenvolvendo os instintos cruéis necessários a um bom profissional - o que é mais ou menos o que Ele queria, excetuando-se pelo fato de ter sido num processo inverso ao que ele havia pretendido. E pela crueldade, claro.

9 de outubro de 2008

do caderno roxo de Mr Apricot

Quando eu disse que ainda não sabia, ou que não atentei, ou que não tinha ligado uma coisa à outra - e tudo era mentira -, não fiz por mal, ou melhor, também fiz por mal, mas também fiz porque talvez tenha sido a única forma de manter a politesse. Não é educado falar quando reparo demais, ainda quando o anúncio é feito com o fervor da novidade. Mas, já que você insiste, sim, a sua maquiagem é feia, você é limitado, desaprovei o sapato apesar do meu sorriso, eu sempre soube que era tudo o que você poderia pensar e, sim, aquela foto tenebrosa, já havia visto.

Atenciosamente,

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Votei pela primeira vez. Foi emocionante. Sentir a responsabilidade de eleger aquele que vai me representar elevou-me a categorias heróicas, clássicas, míticas. Infelizmente, eu estava preparado para que a felicidade demorasse por horas penosas da minha tarde, mas foi bem rápido. Bebi uma água e depois fui assistir ao filme do Bob Dylan, o I'm Not There, que é bacana, por sinal.

Atenciosamente,

*

Existe um tipo de óculos que está sendo produzido neste exato instante e que vai resolver de uma vez por todas o problema que eu tenho com óculos.

Atenciosamente,

*

Há alguns meses, uma tia minha sofreu um derrame. Ficamos preocupados, e eu e mamãe não podíamos fazer nada, já que estávamos em Belo Horizonte. Quando voltamos, ao visitá-la no hospital, minha tia estava de pé, encostada na janela, de batom vermelho e vestido marrom, reclamando que a haviam proibido de fumar. Dia desses me perguntei como ela estaria, e o porquê desse tempo todo sem notícias. Penso que ela ainda deve estar lá, de batom, salto alto e fumando escondida pelo jardim do hospital. Foi bom não ter recebido notícias suas, então.

Atenciosamente,