28 de junho de 2008

vamos supor

vamos supor que a vida seja um corredor em linha reta. por esse corredor, além do caminho óbvio, existem alguns tabuleiros pelo chão, e uma janela. os jogos são diversos, e estão todos espalhados pelo caminho, à disposição de quem quiser jogá-los. às vezes nos sentamos, tentamos manusear as regras de um jogo qualquer. há quem gaste toda a sua vida sentado de frente a um único tabuleiro. outros se cansam e vão avançando pelo corredor, na esperança de um jogo mais complexo, mais difícil. às vezes desistem e voltam aos mais simples. é possível, dizem, que o corredor não possua fim. muitas vezes, quando estou andando pelo corredor, vejo pessoas atracadas ao chão, sem conseguir avançar, mesmo o caminho sendo apenas um, e claro. normalmente estão presas a algum tabuleiro, concentradas. muitas vezes sou eu mesmo que estou a um tabuleiro, e então vejo outros, maiores que eu, passando pelo meu caminho. quando isso acontece, desisto de ganhar aquele movimento de peças com que gastei os últimos meses e anos e volto às andanças. desconfio que uma vez, pela janela, vi o arcanjo. sei disso porque uma vez, em sonho, o próprio me disse seu nome. já vi muitos tentarem denominá-lo. às vezes penso ser ele o último movimento comum aos tabuleiros.

27 de junho de 2008

listas!

lista de coisas que são sexies: 1. no último dia da disciplina, ficar bocejando no canto da sala enquanto todos lá gritando, sorrindo, pulando corda, porque não foram reprovados ou não ficaram pra prova final; 2. "procrastinar" ainda seria um verbo sexy, mas não é mais. não adianta; 3. falar "francamente" no final de uma sentença, tipo "blablabla, francamente."; 4. joaninhas;

lista de coisas que são engraçadas: 1. fotógrafos que andam orgulhosos com suas máquinas fotográficas do tamanho de suas cabeças penduradas no pescoço; 2. vendedores que usam a palavra "conceito"; 3. sushi de morango;

lista de coisas que me irritam: 1. gente que só sabe falar de política; 2. gente que fica resmungando "solidão" pra cá, "solidão" pra lá o tempo todo; 3. gente que adiciona com orgulho em sua biografia que foi estuprada.

lista de coisas que me deixam triste: 1. fotos recentes da Anita Ekberg.

25 de junho de 2008

uma descoberta

acabei de descobrir que, em algum dia de 1882, Oscar Wilde e Walt Whitman se conheceram. como assim? por que o universo não explodiu? ou será que explodiu e, desde então, vivemos de caquinhos-de-universo? qual a explicação para tudo isso? onde? por quê?

ps: por outro lado, é meio difícil imaginar um encontro entre Oscar Wilde e Whitman. será que eles tomaram cappuccino light? tipo, consigo imaginar Wilde dizendo que infelizmente não toma açúcar e Whitman revidando que o universo, o sol, The bodies of men and women. Então convida Wilde para um banho de mar e olha a cara do Oscar Wilde de quem toma banho de mar, né.

23 de junho de 2008

das afetações

assumir o gosto por algum texto de literatura é necessariamente assumir todas as afetações que aquele texto trás, e normalmente trás. por exemplo. se alguém chega pra mim dizendo que gosta de Lima Barreto, imagino logo um espírito meio marginal, meio jornalista frustrado, etc. se alguém chega pra mim dizendo que gosta de A Morte de Ivan Ilitch, imagino logo que se trata de alguém rancoro demais, barulhentinho demais, com alguma dificuldade de fazer uma dancinha no final de tudo, ou sempre tendendo pro lado do "o mundo e as pessoas são terríveis!", esse papinho provavelmente fruto de algum mimo que não foi concedido. muitas vezes, nem sabemos ainda que assumimos essa afetação, e quando descobrimos rejeitamos o gosto por aquele livro ou autor. ou melhor, rejeitamos publicamente.* e é bom que seja assim mesmo. não quero ver meus amigos colocando A Morte de Ivan Ilitch em maiúsculas no orkut. se quiserem gostar de A Morte de Ivan Ilitch, que o façam de forma ponderada, com o livro entre vários outros, uma leitura a mais. porém, se você se identifica demais com a afetação do livro, pode ser difícil disfarçar. mas é bom tentar, por uma questão de gentileza. não existe nada menos gentil que sair gritando as próprias afetações pelo mundo. todo mundo possui afetações, como possui qualquer outra coisa (sapatos, escova de dente, um panda de porcelana) e nem por isso saímos colocando fotos de tudo isso na testa.

* às vezes passamos anos para encontrar a afetação que estava escondida num texto. muitas vezes, inclusive, a qualidade de um texto é proporcional à capacidade de esconder suas afetações, de modo que passamos um tempão achando que gostamos do estilo, do ritmo, do humor (ou da falta de humor), até descobrir que essas coisas todas eram meros artifícios para nos enganar (ou que das quais nos apropriamos para nos mascarar). alguns nem percebem esse processo todo. e é uma maravilha tudo isso. e ainda bem que fomos enganados, e que continuamos sendo enganados por todos esses livros de que gostamos.

21 de junho de 2008

um momento chique

uma coisa triste de alguns filmes antigos é ver o que sobrou daqueles personagens, daquelas imagens. recordo, então, de uma grande professora de Teoria da Literatura que uma vez nos trouxe um texto do Zygmunt Bauman sobre pós-modernidade.

não lembro de muita coisa do texto, mas falava sobre o fato de que, na modernidade, apesar de todas as ilusões, existia alguma perspectiva de "reenraizamento". apesar do sentimento de vertigem, havia alguma esperança de luz no fim do túnel, como se tudo fosse uma preparação, uma jornada por diversas experiências até ancorar nalguma coisa.

daí então veio a pós-modernidade, uma modernidade sem ilusões, sem perspectivas de longa duração ou de qualquer coisa. não apenas incapaz de manter qualquer consistência, mas sem interesse mesmo de ser consistente. lembro de falar que mesmo os Grandes Problemas da modernidade se tornaram meio indefiníveis ou reduzidos a nada (lembro que o texto perdeu quase todo o charme quando vi que logo depois disso vinha uma observação sobre o zzz aquecimento global).

nessas horas eu lembro dos filmes do Fellini, mesmo que de algum modo ele já estivesse prevendo tudo isso. da cena da entrevista de Sylvia em La Dolce Vita, da cena da praia, de todo La Dolce Vita. lembro do Guido de 8 e 1/2 saindo de uma mesa enquanto falavam sobre catolicismo. da cena do casamento em Amarcord, da Volpina. Da Julieta saindo de casa para longe do marido. E, deus, eu lembro que preciso ver todos esses filmes de novo, e os outros, rápido. E de como todos esses problemas e discussões viraram história-em-quadrinho nonsense para o que é feito de arte hoje em dia. Claro que uma hora ou outra virariam (de algum modo, que bom que viraram), mas, e agora? Que vamos fazer? Do que vamos fazer?

Enjoy your worries, you may never have them again. Tudo bem, passou.

ainda sobre a contemporaneidade

se você é mulher e usa sutiã de alça de silicone por favor saia deste blog se por acaso você é mulher e usa sutiã de alça de silicone por favor saia deste blog se de alguma forma você é mulher e usa sutiã de alça de silicone por favor saia deste blog se você é qualquer coisa e usa sutiã de alça de silicone por favor saia deste blog

(eu ia escrever um post falando sobre Alças de Silicone: Das Pretensões da Discrição, um ensaio sobre a contemporaneidade, mas deixei pra lá.)

20 de junho de 2008

living is easy with eyes closed lalala

minha vida acadêmica é engraçada. pra mim, não existe nada mais relaxante, terapêutico, tranqüilo que fim de semestre. vejo todas aquelas pessoas loucas, correndo de um lado pro outro, preocupadas com notas, professores impacientes com a conclusão da disciplina, impacientes com os alunos, a biblioteca feita um caos, a xerox, enfim.

enquanto isso, fico cantarolando strawberry fields forever pela faculdade, planejo viagens e tomo suco de abacaxi. não consigo reagir de outro modo. quando vejo todas as provas da próxima semana e o trabalho que tenho que escrever até a próxima sexta, só consigo pensar que é uma boa hora para ir ao cabeleireiro, que está na hora de mudar a posição da minha cama, que eu queria um novo abajur, quem sabe alugar um filme, aprender a pescar, etc. alguém quer me ensinar a pescar?

18 de junho de 2008

kafka e a chatice

a chatice, muitas vezes (e não todas, fique claro), é um caminho. muitas passagens bonitas de romances não seriam tão bonitas se não tivessem sido cruzadas por um caminho chato e pedregoso antes. não estou falando dessa chatice engraçadinha de que alguns falam, charme que muitas vezes vira um atrativo pessoal. não, chatice de dar sono mesmo. claro que existem livros enfadonhos por serem enfadonhos e acabou aí, mas há alguns que trazem em si essa iluminação avassaladora. e isso não acontece em contraste às passagens chatas, como se existisse pura e simplesmente um caminho sofrido e então a luz. a luz também é esse instante de dar sono. O Castelo, por exemplo, é um livro chato. mas como não o seria? no caso de O Castelo, esse momento iluminado não está descrito no livro, nem em lugar algum; mas existe. e essa espera ao longo do caminho do agrimensor K. não faria sentido se não fossem os quilos faraônicos de chatice e tédio que atravessam o livro. é possível que muitos não vejam nem a sombra desse momento, que sequer tenham aprendido a ver. mas está lá. e está lá de modo claro, embora não consistente (que é outra das graças de Kafka, isso de não falar de forma consistente). pelo menos, existem outros caminhos. se todo romance fosse como O Castelo, eu certamente teria me arrependido de largar a faculdade de direito.

11 de junho de 2008

sobre virginianos

o grande tchan de Virgem diz respeito a algo bem simples, que é a pureza. as manias de perfeição, obsessões, a separação do joio (sempre quis usar essa palavra) do trigo e essas coisas que a Caras fala melhor que eu, são meros desencadeamentos do sentido de pureza, do Zahir que Borges falava tão bem (ele que sabia ser virginiano como ninguém) (hehe, rimei).

existem, é verdade, outros signos que têm essa coisa da pureza, como Escorpião (que se purifica das próprias feridas) e Aquário, na sua concepçãozinha meio egoísta e autocentrada, como sempre (um aquariano venda os olhos e diz que vê Deus, depois deixa claro pra todos que somente ele viu Deus).

então, voltemos: e os virginianos? virginianos se purificam sempre no outro e esse outro é qualquer coisa: o Zahir, formiguinhas, o mundo. mas isso um virginiano minimamente talentoso reconhece na mesma hora.

daí você me pergunta: e os arianos? ah, eles. arianos provavelmente estão vendo essa discussão toda e brigando lá no meio que "não é assim!", "não é assado", "não concordo!" "mas você tem que considerar que..."; isso se não estiverem na academia, no jiu-jitsu, pilates, etc.

9 de junho de 2008

coisas que nunca entendi

o que são essas mulheres grosseiras que querem mostrar que conseguem ser educadas? nem mulheres, às vezes meninas novinhas mesmo. dia desses, numa dessas escolas de idiomas, havia um grupo de meninas no meio da passagem. elas ficam lá, paradas, olhando ao redor, como se estivessem protegendo umas às outras. daí eu digo educadamente que com licença e uma delas me diz, sem me olhar nos olhos e já saindo do meio: ô, toda. ora, toda.

5 de junho de 2008

hello, hello you, hello again


hello, hello. vou explicar. The Importance of Being Earnest é uma peça divertida. no entanto, acho inicialmente engraçadinho que todas as referências que já vi sobre essa peça só (ou quase só) falavam a respeito do fato curioso de Ernest (o nome do personagem) e Earnest serem pronunciados da mesma forma. c'est tout. não que haja muitas coisas a serem ditas, mas, se havia, tudo isso foi esmagado pelo comentário do Ernest versus Earnest. mas eu não farei diferente.

baseado nisso, resolvi criar a seguinte historinha:

Era uma vez um sujeito A que chegou a outro B e disse:
A: Olá! Sabe The Importance Of Being Earnest?
B: Já! Interessante isso de Earnest e Ernest serem homófonos, né?
(A pensa a respeito.)

Depois um outro sujeito C chega em A e puxa o mesmo assunto, e A faz o mesmíssimo comentário de Earnest e Ernest. C fica pensativo por algum tempo, e não deixa de comentar com D, e assim E, F. Um dia, diz-se, todo o alfabeto falava somente a respeito disso. Uma letrinha conversando pelo MSN com outra sobre Earnest e Ernest. Uma carta sobre Ernest enviada por letrinha que não via outra há anos, e a resposta, enviada alguns anos depois, confirmando: sim, Ernest, Earnest. Bebês nascendo e suas palavras, ao contrário do que muitos diriam, eram. As pessoas no metrô falando em Ernest e Earnest. "Oh, sim, que formidável.. Ernest!". Assim, pois é, voilà.

4 de junho de 2008

o que dizer da maturidade

wittgenstein, quando terminou seu Tratactus, achou ter resolvido todos os problemas da filosofia. depois mudou de idéia, traçou novas direções, reescreveu e lançou seus aforismos finais - que ainda assim dizia que eram incompletos - em suas Investigações (tenho certeza de que no meio do caminho possivelmente achou ter resolvido os problemas outra vez). e eu me pergunto quantos anos - meses? - são necessários para olhar pra trás e reconhecer pequenos erros de equação.

3 de junho de 2008

by the way, Gerard, you should learn how to tie your tie better

dos manuseios que passei a ter com livros (diga-se que até uns 2 anos atrás, eu abominava qualquer tipo de risquinho, observação, que for), há dois que se destacam: um é o q que normalmente vem acompanhando enfadonhas observações de comentadores nos prefácios ou orelha do livro.
por exemplo. comprei recentemente um volume bilíngüe com os contos completos do oscar wilde e, no prefácio do livro, por algum desses comentadores aí, falava em "preocupação pioneira", "marginalização" e, numa determinada passagem, sobre (essa é ótima) "procurou mostrar isso tanto nos textos como na vida real". logo, me dispus a colocar um simpático q feito a lápis. minha outra opção seria a de rasgar o prefácio, mas não, não, My dear mother, it all sounds very tragic, of course. então resolvi deixar lá.

por outro lado, existe um outro símbolo que me agrada colocar eventualmente nos livros: o :~. (que quer dizer uma lagriminha, para quem por ventura não souber. ou seja, se você já pegou algum livro emprestado meu e pensava ter achado, hum, não sei, mas não era. era uma lagriminha desenhada). não vou fazer delongas porque acho constrangedorzinho. mas a questão é essa: Lord Henry já se acostumou com as lagriminhas. tomei a liberdade e povoei das mesmas lagriminhas a edição com A Woman of No Importance que peguei na biblioteca da faculdade. confesso que fiquei me sentindo culpado por quase 20 segundos, depois esqueci.

"People nowadays are so absolutely superficial that they don't understand the philosophy of the superficial. By the way, Gerard, you should learn how to tie your tie better. Sentiment is all very well for the buttonhole. But the essential thing for a necktie is style. A well-tied tie is the first serious step in life."

(Lord Illingworth: A Woman of no Importance, Oscar Wilde)