18 de setembro de 2009

um abre-alas

No começo do ano, tive uma pretensão, que era ler a obra completa do Mishima, ou pelo menos o que foi traduzido. Começou lá pelo dia 3 de fevereiro, quando comprei Confissões de uma máscara e Mar inquieto, edições da Cia. das letras. Uma semana depois, já havia lido os livros, que me agradaram bem acima da expectativa. Depois, não sei, meu computador deve ter quebrado, não comprei mais nenhum. Não lembro quais foram as outras pretensões que tive depois. E também já não importam. Hoje, refazendo o arranjo de minha estante, mal reconheci os livros. Saquei e abri numa página qualquer. Ei-la:

"As cerejeiras agora floresciam. Mas ninguém parecia ter tempo de ir apreciar as flores. Creio que os estudantes de minha faculdade eram as únicas pessoas que podiam ver as cerejeiras de Tóquio. Na volta para casa, depois das aulas, eu costumava passear entre elas, às margens do lago S, sozinho ou com dois, três amigos.

As flores pareciam de uma exuberância incomum naquele ano. Em parte alguma viam-se as cortinas listradas de branco e vermelho usadas nos piqueniques mais intimistas, normalmente tão comuns entre as cerejeiras que pareciam compor sua indumentária; tampouco havia movimento nas barracas de chá, multidões apreciando as flores ou vendedores de balões e cataventos; as cerejeiras floresciam à vontade em meio ao verde, dando-nos a impressão de estarmos vendo seus corpos desnudos. A generosidade gratuita da natureza, sua extravagância fútil, nunca me parecera tão bela como naquela primavera, chegando mesmo a despertar a minha suspeita. Fui tomado por uma incômoda desconfiança de que a natureza reclamava a Terra de volta para si. Pudera, o esplendor daquela estação não era uma coisa qualquer. O amarelo das flores de mostarda, o verde da grama nova, o negro dos viçosos troncos das cerejeiras, o pesado dossel de flores pendendo das copas, tudo isso refletia em meus olhos com uma vivacidade de cores cingida de malevolência. Era uma conflagração de matizes."

1 comentários:

Liv disse...

Que bonito.

Sempre gostei de cerejeiras, tanto que desenhei uma e paguei para tatuarem nas minhas costas.