18 de fevereiro de 2010

em que falo desenfreadamente sobre cinema

Fassbinder é um diretor rancoroso. Seus filmes são sobre um adolescente descabelado que bate com a palma da mão o bumbum de um recém-nascido e diz: "Você é patético, vai ter uma visão de mundo patética e não vai poder fazer nada a respeito disso, porque toda a linguagem que você vai absorver também é patética. Vou aproveitar que você acabou de nascer e vou fazer um filme zombando disso." Não me surpreende que tenha morrido tão jovem, o coitado.

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Wylliam Wyler é um grande diretor, e The Heiress é um grande filme.

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Antonioni, além de um grande cineasta, também era um grande cabeleireiro, e os diferentes visuais da Monica Vitti em seus filmes servem como prova disso. (O meu favorito é o loiro-exuberante de O Eclipse, que também é, dos seus filmes, o de que mais gosto.)

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O melhor western pederástico de Hollywood se chama Red River, cujo nome também é deliciosamente sugestivo.

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Tarkovsky não gostava de Solaris porque não gostava de ficção científica (por conta de ser uma adaptação de um livro de ficção científica e de não ter entrado em consenso com o autor, acabou sendo obrigado a manter assim). Já eu gosto muito de Solaris justamente por crer que subverte docemente a ficção científica num gênero, por assim dizer, espiritual (mas, ué, tem background mais espiritual que uma estação espacial em que toca Bach?). Mas o Tarkovsky não concorda comigo. Ele diz num documentário que não conseguiu superar a "estética de ficção científica" no filme e evidenciar os valores que queria, como o pôde fazer em filmes posteriores. Ele não concorda comigo, e quanto a isso eu não posso fazer nada.

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(Eu não sei se eu deveria falar isso, mas já que estamos falando de modo tão entusiasamado sobre ficção científica, quero dizer que acho AI: Inteligência Artificial um filme muito querido. ^^)

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Quanto, ainda, à suposta subversão de gêneros cinematográficos, é pelo mesmo motivo que gosto muito de King Kong, mesmo sendo tão porcamente produzido e dirigido. Não é, afinal, um filme de horror, mas uma tragédia romântica da pesada. Minha fantasia de carnaval ia ser de King Kong, com uma boneca de pano loira na mão com um rec-repete dentro gritando AAAAAAHH!!, mas não tive tempo de preparar. Quem sabe em 2011.

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Louis Garrel tem acne. Eu já falei disso em outros lugares e vou falar enquanto puder. Ele tem acne e não é pouca, podem conferir no google.

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Voltando ao Tarkovsky: belo bigode, belo peitoral. (Estou falando sério.)

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Douglas Sirk é um diretor bom também pelo fato de ter feito filmes de sucesso rindo da cara das pessoas que o consagraram, à época. Eu também me sinto um pouco Douglas Sirk, quando estou na presença de pessoas que acham que estou me divertindo com elas, quando na verdade estou me divertindo delas. É algo que faço até sem querer e com um pouco de arrependimento, mas afinal o mundo é mesmo um lugar engraçado.

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Eu adiei por alguns anos ver Fitzcarraldo porque pensei que nunca seria capaz de ver a floresta amazônica por três horas seguidas. Felizmente, um dia, tomei vergonha na cara e vi.

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Voltando de novo ao Tarkovsky. Numa certa altura de Stalker, um personagem diz "A fraqueza é grande, enquanto a força é nada. Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre, é impassível e duro. Quando uma árvore cresce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte, e flexibilidade e fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá."

A frase diz muito mais respeito ao cinema europeu do que ao cinema americano, sendo Hollywood a parte dura, inflexível (exceções: Montgomery Clift, Greta Garbo, Charles Chaplin, os maiores e que curiosamente nunca ganharam um oscar. Oh, um oscar!) (Na verdade, a frase não tinha originalmente nenhuma conexão com cinema, eu que me apropriei e tal.)

Sendo assim, em Hollywood, todas as atrizes querem ser Bette Davis e todos os atores querem ser Marlon Brando, inclusive eles próprios, fazendo os mesmos papéis duros e inflexíveis até o fim de suas carreiras. Nosso gosto por Hollywood é então no fundo o gosto por uma ilusão de força, e um inconsciente gosto pelo fracasso que se segue. O que não tira o seu mérito, já que todo mundo, independente do continente, acaba morrendo no final.

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Fellini amava o mundo, afinal, e eu também.

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Os anos se passam, uma nova década começa, e até agora não houve nenhum Bergman, nenhum filme da nossa geração que possa comer as migalhas de um Fanny & Alexander ou de um Winter Light.

8 comentários:

Dayane Costa disse...

Sua fantasia de King Kong seria genial.

Eu, mesmo sendo mulher, já me fantasiei de Brokeback Mountain para ir de penetra a uma festa. Funcionou assim: eu peguei um chapéu de cowboy, uma camisa xadrez e fiz um bigodinho de lápis de olho e meu melhor amigo foi do mesmo jeito. Um arraso.

Louis Garrel é feio e precisa de plástica no nariz. Já tinha reparado na acne também. Eu não beijaria aquilo lá.

Stalker é legal, faz tempo que vi.

Aliás, acho que preciso assistir mais filmes.

Luciano disse...

Olá, Dayane ^^ você possui algo contra nariz grande? :)

prosinecki disse...

Garrel ad usum delphini:

«(...)imperfection is in some sort essential to all that we know of life. It is the sign of life in a mortal body, that is to say, of a state of progress and change. Nothing that lives is, or can be, rigidly perfect; part of it is decaying, part nascent. The foxglove blossom, — a third part bud, a third part past, a third part in full bloom, — is a type of the life of this world. And in all things that live there are certain irregularities and deficiencies which are not only signs of life, but sources of beauty. No human face is exactly the same in its lines on each side, no leaf perfect in its lobes, no branch in its symmetry. All admit irregularity as they imply change; and to banish imperfection is to destroy expression, to check exertion, to paralyze vitality.»

The nature of Gothic, John Ruskin

Luciano disse...

Hey prosinecki ^^
I understand and obviously agree. And if this is an argument to justify Louis Garrel's acne, ok, I give you the eye. ^^ Be always welcome,

Caio Marinho disse...

Space SciFi psicológico é complicado. Talvez Moon - filme depois dos anos 70 vale? Sobre o AI, é muito bom, só o final que não é.

Luciano disse...

O grande lance de Solaris, pra mim, é esse: quando o filme acaba, o background de SciFi deixa de ser fantasioso e se torna espiritual pra valer. E acaba sendo um filme especial, charmoso, no conjunto da filmografia do Tarkovsky, do que o cara queria realmente fazer. Eu vejo assim.

Não encontrei esse Moon, Caio. Só encontrei um filme de mesmo nome de 2009. Me consegue o link?
Abraço,

Caio Marinho disse...

É o de 2009 mesmo. http://bit.ly/a8qSvb

Luciano disse...

Vou procurar!