The Lemon of Pink

27 de junho de 2011

gimme gimme gimme, gimme more

Por onde anda o senhor damasco? é a pergunta feita por meia dúzia de jovens graves, espirituosos e bem-humorados, ocasionalmente, ao acaso, em noites de lua cheia. Sem mais, o endereço do seu - meu novo blog: http://umestetaetc.blogspot.com/. Valeu, gente.

27 de abril de 2010

shake, shake, shake, shake it off

O King Lear e o Hamlet de Grigori Kozintsev são muito bons; o Hamlet, particularmente, faz Laurence Olivier parecer uma bailarina debutante do High School Musical. Aliás, acho que Laurence Olivier só decidiu filmar Hamlet porque queria pintar o cabelo de loiro, o que ainda por cima não caiu bem com seu tom de pele. Essa vida, essa vida, é misteriosa ou não é?

22 de abril de 2010

hoje eu vou falar da realeza

(Na foto, a realeza)


No, no, no, no! Come, let's away to prison:
We two alone will sing like birds i' the cage:
When thou dost ask me blessing, I'll kneel down,
And ask of thee forgiveness: so we'll live,
And pray, and sing, and tell old tales, and laugh
At gilded butterflies, and hear poor rogues
Talk of court news; and we'll talk with them too,
Who loses and who wins; who's in, who's out;
And take upon's the mystery of things,
As if we were God's spies: and we'll wear out,
In a wall'd prison, packs and sects of great ones,
That ebb and flow by the moon.


(King Lear, Shakespeare)

Se existem dois tipos de personagens sobre os quais Shakespeare adorava escrever, um é sobre o pervertido que é punido no Ato Final, e também sobre o homem generoso que por alguma razão finge enlouquecer. E esses tipos, até onde eu me lembre, não se confundem (Não dá pra dizer que Macbeth é uma pessoa generosa ou que Othello é um homem mau, por mais que a gente queira ou por mais que não sejam personagens caricatos. O que nos atrai neles é a corrupção num e a generosidade noutro, enfim.)

Mas Rei Lear é um personagem particularmente esquisito. Apesar de ser áspero em relação à própria honra, não dá pra dizer que não seja um homem generoso. Além disso, sua aspereza não chega a ser prazerosamente desagradável (como é prazerosamente desagradável ver Iago sendo maquiavélico), o que seria efeito de um vilão; a postura ríspida de Lear chega a ser engraçada e ingênua, como um senhor ofendido porque a filha não quis beijar sua mão.

E esse pequeno fetiche que é a honra de Lear, que não incomodava ninguém, é continuamente objeto de chacota, o que acontece meio rápida e forçosamente; enfim, o que só deixa tudo mais absurdo. A forma vaidosa como Lear cultiva a própria honra, embora desencadeie os acontecimentos trágicos, não é exatamente vulgar; é antes vulgar o modo como os personagens a ridicularizam a troco de nada. Ao contrário, se Lear tivesse sido um pouquinho vulgar e não tivesse dado o poder às filhas, nada teria acontecido. A tragédia do rei é aperceber-se de que:
a) um homem nobre não pode ser sempre nobre se quiser conviver em harmonia com outros homens;
b) para ser rei, no sentido mais prático do termo, é preciso ter um pé na própria nobreza e outro na vulgaridade do mundo, enfim, não porque o mundo é mau, mas porque o mundo é mau também;
c) se essas instâncias forem desrespeitadas, o homem nobre continuará nobre, mas acabará ocasionalmente apunhalado.

Quanto ao final da peça, não é preciso dizer que é bizarro. As filhas mais velhas saindo no tapa por um jovem que acabou de sentenciar o rei; humilhando-se porque não conseguem mais domar a situação, mais ou menos da mesma forma como Lear se humilhou anteriormente a elas. Numa montagem que imagino da peça, Edmund seria um jovem bonito, atraente, porque a beleza é algo mundano; não por uma razão de outra categoria as filhas cairiam aos seus pés. O que não torna uma razão menos misteriosa (Oh, isso é tão shakespeareano!) Por fim, os maus e bons sendo aleatoriamente punidos, a carnificina final, etc. É tudo descaradamente insensato, lindo, absurdo, etc. Gosto muito!

Bom, para finalizar este post especial, sobre a fala de Lear que eu pus ali em cima, quando este é sentenciado: eu não sei por que a pus. É muito bonito ver que, à medida que Lear tem sua honra pisoteada e "enlouquece", ele também adquire o juízo que não tinha no começo, quando era aparentemente sensato. A prisão de que Lear fala, para onde é conduzido, não parece fazer sequer parte do mundo, mas, antes, à espreita do mundo; um lugar em que ele poderá viver, cantar e "laugh at gilded butterflies". O mundo que o sentenciou, o mundo do "who loses and who wins; who's in and who's out" é um lugar de onde o rei se afasta e observa de longe, como um espião. (Talvez seja a minha fala favorita da peça; certamente é uma passagem de que gosto muito. Por isso a pus, assim como só estou escrevendo sobre Shakespeare porque gosto. Minha mãe sempre diz: "Esse menino só faz o que quer!")

Enfim, é ridiculamente absurdo uma fala assim abrir um ato que acabará de forma tão querida e violenta. Mas tudo bem... eu gosto de carnificinas.

14 de abril de 2010

medéia

A tragédia de Medéia, muito maior que a de ter assassinado os próprios filhos, é a consciência de que a causa nobre na qual havia insistido em sua vida de nada lhe serviu. Medéia não é culpada de nenhum crime que havia cometido, era o amor por Jasão que comandava seus feitiços e perfídias. O amor é a nobreza de Medéia, sua única seriedade, acima de qualquer ordem do mundo dos homens. Ao ver que sua única causa é arrastada pela vulgaridade terrena, incluindo a do próprio marido, comete seu único crime: o de querer levar todo o resto à ruina para justificar seus desapontamentos, e de sentir prazer em ver desmoronando o que construiu. Tão engrandecedora é a carnificina de sua vingança quanto triste. Quer dizer, às vezes acho que é mais engrandecedora que triste; doutras, que é mais triste que engrandecedora. Ainda mais! Há dias em que penso que é apenas engrandecedora e nada triste e, noutros dias, em que estou chique e moralista, já penso que é apenas triste e nada engrandecedora. Hoje eu não sei o que pensar, pois estou fatigado.

11 de abril de 2010

31 de março de 2010

a delícia da tirania, agora com as baterias reguladas

1. Hoje eu acordei pontualmente às 7, com dois duendes puxando as minhas orelhas, um de cada lado. Eles brincavam de "quem é o gostosão, quem é o gostosão" com as minhas orelhas e, por isso, fui obrigado a acordar tão cedo. Alas!, pensei, pois era o único dia em que eu não tinha aula na faculdade.

2. Avaliando o passado: eu tinha 15 blogues favoritos aos 15 anos. Desses, hoje em dia, desprezo 10, 2 não apenas ainda me impressionam como me fazem querer desistir de escrever de tão bons que continuam sendo, e os outros 3 perdi o link. Normal.

3. Quando um post meu é totalmente aceito, sinto como tivesse sido enrabado por uma dúzia de homens.

4. Toda sinceridade é uma intolerância. Não há liberais sinceros. De resto, não há liberais. (Bernardo Soares)

5. Eu evito me aproximar de quem é imensamente indiferente ou imensamente piedoso, porque, em vez de indiferença ou piedade, me parece que os indiferentes e piedosos estão me ensinando "Como transformar pessoas em frangos prontos para o abate em 5 minutos". Penso com meus botões, não existe nada mais cínico e destrutivo que o desinteresse ou a dó. Isso me impede de ser cristão, mas me permite estar sempre bronzeado, com cabelos macios e com um sorriso compassivo no rosto.

6. Por esse motivo, Joan Crawford merece apanhar em todas as cenas de Whatever happened to Baby Jane, o que não a torna menos interessante ou menos madrinha deste blog.

7. A explicação para o que acontece na Cena 2, Ato III provavelmente está na cena anterior, Ato I ou aparecerá nalguma cena seguinte, ou na última cena, Ato Final, o que causará o espanto e o horror da platéia.

8. Eu não quero casar por outro motivo que não seja para ter problemas conjugais: escândalos em restaurantes, sexo enraivecido, rancores para a vida inteira, solidão pós-guerra. Cada um com seu fetiche.

9. Todas as pessoas que conheço, e especialmente todas as que respeito, estão à beira do excesso, mesmo que de forma educada.

10. Eu não gosto de pessoas que são frígidas ou calorosas demais, ou que o são nos momentos errados, seja lá qual seja a "hora de ser frígido" ou "a hora de ser caloroso".

11. Todo mundo gosta de bater, todo mundo gosta de apanhar. Let's face it, Carrie Bradshaw!

12. O culto à fleuma britânica formou uma legião de imbecis e meia dúzia de gênios. Assim como todo o resto.

13. Novo Cinema Alemão: gosto da demência dos personagens do Herzog. Cada um com seu fetiche.

14. O estoicismo de Sêneca quer nos preparar para a desgraça em vez de nos ensinar como se divertir com a desgraça, o que paradoxalmente era algo que romanos faziam bem.

15. Além disso, o culto à indiferença me impede de ser estóico. Ou brinca comigo de cachorro-pega-gato ou vai para a guilhotina.

16. Todos os meus epítetos começam com a letra M: Minotauro, Mata Hari, Madame Bovary.

17. Escrevemos com mais prazer quando estamos rancorosos, mas normalmente o resultado é catastrófico. Um problema sem solução.

18. "Todo mundo é ex-alguma coisa" (Joana Prado, ex-Feiticeira)

19. Ser chique é ser, ao mesmo tempo, carregado metafisicamente e bem-vestido desinteressadamente. Aprenda com Zurlini.

20. Não conheço um leonino interessante.

21. Não conheço um médico sensato.

22. Quando leio algo que me impressiona, não mostro para ninguém.

23. Todas as vinganças valem a pena, se não pelas razões que lhes deram origem, ao menos pelo próprio prazer da vingança.

24. Todo mundo gosta quando Afrodite é ferida na Ilíada por ter se metido na guerra. Todo mundo fica feliz quando Zeus lhe diz "Fica na tua, mulher, e vai pra panela."

25. Sempre preferi arrancar o cabelo alheio para demonstrar afeto do que apelar à pompa dos carinhos e elogios rasgados. Mas prefiro que me acariciem e me elogiem do que tentem puxar meu cabelo. Mentira.

26. Tenho 17 contas de emails, todas com senhas diferentes e não sei o que fazer com isso.

27. O prazer da ambiguidade é saber que, por mais fantasioso ou impessoal que seja o que você escreva num blog, alguém sempre vai se sentir pessoalmente atacado.

28. Outro dia vi no jornal: "Assassinatos estão acima da média normal". O que é uma média normal de assassinatos? Quantas pessoas precisam morrer por dia para que a média seja atingida? Isso é interessante.

29. Vingar-se de alguém por medidas desinteressadas (sem sangue) nos torna pouco nobres, mas também nos torna mais irritantes.

30. A leveza nos distrai, a gravidade nos arrebata. Mas não se enganem: essas categorias às vezes vem disfarçadas uma da outra.

31. Quase escrevi "gravidez" no lugar de "gravidade".

32. I will always love Monty.

24 de março de 2010

quel joli temps pour se dire au revoir, quel joli temps pour jouer ses vingt ans

As musas são entidades belas e queridas e eternas. Por nós, mortais, elas fazem duas coisas também belas e queridas e eternas: iludem-nos com mentiras convincentes ou nos mostram profeticamente a verdade. Eis a diferença bela e querida e eterna entre retores e românticos.

*

Eu sou um romântico, mas já fui um retor. Antes de ser um retor, eu já fui um romântico. Isso é verdade, eu não estou tentando convencer ninguém! Me deixem em paz!

*

Platão, como eu, também era um romântico. Ele só tentou dessacralizar a poesia - aka as artes em geral -, transformando-a numa técnica de representação (e portanto numa "ilusão de mentiras convincentes"), porque na Grécia Antiga não havia barbeadores elétricos e ele estava com uma micose desconfortável no queixo. Para se vingar do mundo sensível, transformou a poesia numa técnica mundana, numa pintura, num artesanato, num ornamento conveniente de formas. Mas, à noite, em seu quarto, ele chorava.

A micose no queixo de Platão foi, assim, responsável por tudo o que o mundo foi, até o romantismo.

*

Num mundo como o nosso, onde os cabeleireiros estão sempre com filas imensas e os estacionamentos dos shoppings estão sempre lotados, é difícil assimilar qual é a nossa sinceridade, e acabamos imitando a sinceridade dos outros.

Por conta das filas dos cabeleireiros e dos estacionamentos dos shoppings, concluimos que a sinceridade dos outros é, então, tão falsa quanto a nossa e acabamos não acreditando na sinceridade de ninguém. Concluímos que todo romantismo é fingido, dissimulado, fruto de uma solidão forçada ou vulgar, etc.

*

Além da micose no queixo de Platão, da fascinação cega pela retórica, das filas dos cabeleireiros e dos estacionamentos dos shoppings, há ainda um outro problema para nós, românticos: o argumento de que o romantismo é uma preguiça de desenvolver habilidades potencialmente artísticas, de imitar-emular as próprias influências e uma desculpa esfarrapada para usar entorpecentes.

*

Contra todos esses fortes argumentos, parece que não há no mundo espaço para a sinceridade de ninguém e os profetas de nosso tempo, digamos um Tarkovsky, são tomados como lunáticos ou servem para enfeitar o pedestal de adolescentes revoltosos e transgressores. "Adolescentes revoltosos e transgressores", aliás, vira uma espécie de jargão romântico. Falemos um pouco sobre essa espécie.

*

Um garoto de quinze anos assiste pela primeira vez a Noites de Cabíria. Quando acaba, fica desconcertado, porque se viu pela primeira vez diante de uma verdade real, e faz verbalizações ridículas a respeito. Ninguém o leva a sério, como é natural.

O mesmo garoto, aos dezessete, já viu todo o neo-realismo italiano, já se interessou por prosa americana, filosofia analítica, dramaturgia e já começou seus estudos em teoria poética clássica.

Inexplicavelmente, um belo dia, nosso garoto, depois de tomar três xícaras de chocolate quente sem queimar a língua, faz algumas conclusões sobre seus estudos e interesses: (1) eles lhe deram prazer, que é o motivo principal; (2) eles o tornaram mais observador e crítico; (3) eles o tornaram mais convincente; (4) eles massacraram o adolescente revoltoso e transgressor que o tinha levado a assistir a Noites de Cabíria.

Nosso garoto, agora um homem, então, baixa o torrent de Noites de Cabíria e revê o filme numa madrugada chuvosa de terça-feira. Em seguida, deleta o seu blog, escreve emails para algumas três pessoas, derrama o resto do chocolate quente sobre o rascunho de sua dissertação de mestrado e volta para sua cidade natal.

22 de março de 2010

20 de março de 2010

Backward I see in my own days where I sweated through fog with linguists and contenders, / I have no mockings or arguments, I witness and wait

Por um pouco de frescor para esse sábado estupendo e para comemorar o delicioso equinócio de outono (ou de primavera. Olá, amigotes do hemisfério norte), que acontece hoje no fim da tarde, um trechinho da Song of Myself:

(...)
Trippers and askers surround me,
People I meet, the effect upon me of my early life or the ward and city I live in, or the nation,
The latest dates, discoveries, inventions, societies, authors old and new,
My dinner, dress, associates, looks, compliments, dues,
The real or fancied indifference of some man or woman I love,
The sickness of one of my folks or of myself, or ill-doing or loss or lack of money, or depressions or exaltations,
Battles, the horrors of fratricidal war, the fever of doubtful news, the fitful events;
These come to me days and nights and go from me again,
But they are not the Me myself.

Apart from the pulling and hauling stands what I am,
Stands amused, complacent, compassionating, idle, unitary,
Looks down, is erect, or bends an arm on an impalpable certain rest,
Looking with side-curved head curious what will come next,
Both in and out of the game and watching and wondering at it.

Backward I see in my own days where I sweated through fog with linguists and contenders,
I have no mockings or arguments, I witness and wait.
(...)

(Walt Whitman)

17 de março de 2010

a delícia de ser leviano

Uma das coisas que eu mais gosto de fazer é de inventar datas e dados obviamente mentirosos, de fazer comparações claramente forçadas e de desenvolver raciocínios que eu já sei que estão errados durante o ato de composição. Poucas coisas me dão tanto prazer quanto fazer generalizações fantasiosas, exageradas, de usar exemplos específicos para dar consistência a uma argumentação geral e portanto falível. Mas eu não faço isso gratuitamente. Eu faço isso porque todos que se apoiam no próprio potencial lógico-analítico para ver o mundo fazem, alguns de forma convincente e outros nem tanto, porque não há outra forma de subjugar a argumentação alheia sem ser através desses jogos - claramente percebemos quando o outro está fragilizado e impressionado com as nossas mentiras; sentimos que acabamos de roubar-lhe algumas moedas. Sem querer percebemos que isso acaba formando um enorme grupo de mentirosos, presos à própria retórica como a uma religião, uma secreta seita de farsantes a ponto de serem descobertos. Mas se fazemos isso tão comumente, se praticamente não sabemos pensar de outra forma e desconfiamos com certo escárnio de qualquer outra forma de pensamento, talvez haja um motivo que exceda o prazer dos jogos, talvez todas essas construções lógicas escondam uma obsessão misteriosa, quem sabe o nosso próprio rosto, o rosto comum dos homens, um desenho grosseiro do rosto de Deus.

16 de março de 2010

alguns poemas ou fragmentos que não têm nenhuma relação entre si exceto o fato de que me apeteceu postá-los

Se passei dos cinqüenta e das três da manhã
queimando maço atrás de maço; se me agarro
desamparadamente ao último cigarro
como Adão à serpente; se me tortura a vã
obsessão da queda, o sabor da maçã,
e ainda assim insisto em modular meu barro
e fazer dele a gaita, ou a flauta de outro Pã;
se largo tudo enfim e abro a janela e escarro
entre a vaidade, a noite e o carro do vizinho,
será talvez por isso mesmo: porque creio
que tudo vai passar, mas o canto sozinho,
se conseguir abrir a escuridão ao meio,
há de salvar-me! O canto... Esse meu velho espinho
sempre me fez sangrar, nunca disse a que veio.

(Bruno Tolentino)

-

Nunca entendi que o coração sofresse
como sofre por causa do ilusório,
que fizesse de si um consistório
de fantasmas inúteis, e que nesse

fundo de calabouço se metesse
tanto remorso, tanto mais inglório
quanto nunca serviu: que padecesse
porque entulhasse um fictício empório

com suas ficções e seus delírios.
O tigre mata à toa, o coração,
fabricando e alongando seus martírios,

estraçalhando-se a si mesmo em vão,
imita a fera absurda e, como os tiros
na noite, morre só, na escuridão.

(Bruno Tolentino)

-

You came in out of the night
And there were flowers in your hand,
Now you will come out of a confusion of people,
Out of a turmoil of speech about you.

I who have seen you amid the primal things
Was angry when they spoke your name
In ordinary places.
I would that the cool waves might flow over my mind,
And that the world should dry as a dead leaf,
Or as a dandelion see-pod and be swept away,
So that I might find you again,
Alone.

(Pound)

-

(...)
Duermen del otro lado de las puertas
aquellos que por obra de los sueños
son en la sombra visionários dueños
del vasto ayer y de las cosas muertas.
(...)

(Borges)

25 de fevereiro de 2010

quando o Perverso se transforma no Fracassado, por volta da meia-noite (adoramos essa história)

"Pedro Almodóvar" ou Em defesa dos ateus simpáticos

(Na foto, Alex, de Laranja Mecânica)


(Dedicado ao Zé, sem nenhum motivo especial.)

(Antes de começar este post polêmico, vou fazer uma rápida classificação do tipo de gente que poderia perder seu tempo falando de alguém como Pedro Almodóvar:
1. Pessoas mais afins a outras áreas artísticas, que gostam de cinema por acaso ou não têm muita independência de gosto, e acabam indo ver seu último filme simplesmente porque é famoso.
2. Pessoas que gostam de travestis, como eu.
3. Pessoas fortemente ligadas a alguma espiritualidade - católicos, em geral -, e que normalmente são o argumento contra.*
4. Pessoas fortemente desligadas de qualquer espiritualidade, e que são normalmente o argumento a favor.*)

Para o desânimo geral, eu enganei a todos. Isto não vai ser um post sobre Almodóvar, vai ser um post sobre ateus simpáticos.

SOLTA O VIDEOTAPE

O maior problema de pessoas descrentes de qualquer sentido misterioso na vida, qualquer metafísica, espiritualidade, ateus em geral, não é elas serem assim, é elas só falarem sobre isso, adorarem encher o saco das pessoas falando da própria descrença; é, enfim, elas morrerem de se orgulhar em ser assim, não por um apego nostálgico à descrença desesperada do séc. XX, mas porque elas de fato não saíram do séc. XX.

Elas sofrem, coitadas, com o "nada" e acabam catalisando esse sofrimento com suicídio ou chorando pelo próprio sofrimento. São pessoas fanáticas pela própria descrença e, no entanto, adoram falar mal de fanatismos em geral, sem assumir que cultuam algo de qualquer modo. Nossa, eu poderia citar uma centena de pessoas assim, mesmo sem conhecê-las bem. E estou falando de hoje em dia, às vésperas de 2012, o ano que vai mudar e muito as nossas vidas.

MUDA A CÂMERA

No entanto, existe uma outra espécie de descrença, que eu vou chamar de ateísmo simpático. São pessoas que continuam sem acreditar em nada, mas, de algum modo, superaram a náusea do séc. XX., a tortura de um período assolado em guerras e genocídio e a idéia de completa falta de humanidade no nosso miserável planeta. Elas possivelmente continuam sem crer em qualquer espiritualidade ou mistério, talvez nunca tenham sequer refletido sobre isso, porque elas estão bem assim.

Eu, particularmente, acho esse ateísmo simpático the face of the séc. XXI, the face dos jovens e adultos do nosso querido século, e me parece uma face bem mais atraente. São jovens e adultos que continuam ligados à carnalidade e às circunstâncias da carnalidade (afinal, de papel é que eles não são feitas), mas seguem se alimentando, se maquilando e têm um final feliz. Mesmo com toda a confusão de valores que elas absorvem e não sabem verbalizar, mas acho que sempre foi assim.

-
Bom, era o que eu tinha para falar. Quem quiser ligar isso a Todo sobre mi madre, La mala educación e a Los Abrazos Rotos, e aos finais dos respectivos filmes, que fique à vontade. Quem quiser, por outro lado, ligar os ateus "fanáticos" ao Fassbinder, um diretor normalmente comparado ao Almodóvar MAS QUE NÃO TEM NADA A VER pelos motivos que eu acabei de apresentar, que também fique à vontade. Quero todos muito à vontade, aqui.

* Sim, usar a própria espiritualidade ou não para justificar um interesse estético pode parecer uma cretinice imensa, mas vamos combinar que, no fim das contas, é algo que todo mundo faz.

24 de fevereiro de 2010

omnibus horis (uma adenda ao post em que eu faço uma tipologia de mim mesmo, desçam aí uns quatro posts)

(Senhor Damasco, o Metafísico, vendo o sol nascer, enquanto prepara um post contra o Fassbinder, porque seus personagens não acreditam em uma "verdade real".)


Os horários do dia em que sou mais Metafísico são os que rodeiam a aurora: das 4h da manhã até umas 9, por aí. (Parece pouco, mas vocês sabem que o importante não é a quantidade.)

O Panda Vermelho e o Performático, que pressupõem uma maior capacidade interpessoal, se manifestam enquanto eu estou na faculdade ou preciso interagir com pessoas de alguma forma (das 9h às 11h30, e por boa parte da tarde.)

O Perverso aparece, assim como o Conde Drácula, após o pôr-do-sol e fica assim até por volta da meia-noite, quando é tocado pela própria mesquinhez, arrepende-se de seu comportamento perverso e se torna o Fracassado e o Desapontado (categoria que também se manifesta logo após o almoço). Assim eu permaneço até meados da aurora, quando volto lentamente ao Metafísico e assim por diante.

-
É isso. Agora vocês já sabem quando me procurar e estarão mais preparados com o que vão lidar. Mas não utilizem isso para se aproveitar de mim (me procurar no meio da madrugada, por exemplo, quando eu estaria mais fraco). Sou alerta, mesmo na fraqueza. E, mais que alerta, sou irritável e posso fazer coisas drásticas, como mandar um twink, ops, um wink pelo msn. Então, é isso, fiquem espertos.

temas importantes, pertinentes

Amor. Um amigo veio comentar que recebeu um e-mail da ex-namorada perguntando "o que foi tudo isso que vivemos e quem foi você nisso", com essas palavras. Eu disse pra ele que eu não queria nem falar sobre isso, que ele sabia que eu já fiz esse papel (sintam o Senhor Damasco, o Fracassado e o Desapontado falando mais alto) e que só a possibilidade de relembrá-lo me fazia ter vontade de desmaiar.

De fato, ele está numa emboscada. Porque ele precisa ser paciente sem dar qualquer margem de esperança. No entanto, se ele não dá qualquer margem de esperança, ela vai achar que ele está sendo frio e insensível com o que eles tiveram. Por outro lado, se ele dá alguma margem de esperança, ele está iludindo a garota. Aí eu disse pra ele "Não tem jeito, você precisa encontrar uma terceira margem." Mas o que seria essa terceira margem? Talvez isso seja mesmo um problema sem solução.


Viagens. Eu não entendo como em pleno séc. XXI (poxa, o mundo vai mudar todo em 2012, vocês sabem), nós ainda precisamos nos preocupar com coisas como "fazer malas" ou "fazer check-in". É por essas e outras que o mundo é absurdo, sabe?


Pessoas. Eu passei praticamente três meses sem sair do meu quarto, com exceção de viagens e de algumas saídas ocasionais. No entanto, pessoas de outras cidades são mais uma atração turística, um ornamento da própria cidade. Eu tenho uma curiosidade saudável e positiva por elas, porque elas são humanas, podem me dar uma experiência humana, sem eu precisar refletir sobre o peso que significa essa humanidade.

O mesmo acontece com as pessoas que eu vi nas minhas saídas ocasionais. O peso de suas presenças é algo passageiro e até prazeroso: são como uma pizza que eu como a cada três semanas. Digo, não vai me engordar.

Acontece que, com o retorno das aulas, eu preciso lidar com a obrigatoriedade de ver pessoas, de falar com pessoas e, ocasionalmente, gesticular para elas. É uma tragédia isso: ser obrigado a sair de casa e dizer "oi". É uma circunstância social absurda da qual eu não posso fugir. Só não é um desastre porque eu não tenho visto dessa forma, eu procuro não ver como uma obrigatoriedade, e porque afinal eu gosto de ir para a faculdade. E porque tenho amigos e professores que também pensam assim, e respeitam. Eles encaram isso de forma saudável, como é para ser encarado (ou nada ia funcionar), mesmo sem nunca termos conversado a respeito. E são as pessoas com quem eu me dou melhor. Mas se eu páro e reflito sobre essa "obrigatoriedade", nossa, o mundo é mesmo um lugar esquisito.


Tabagismo. Eu não fumo, mas adoro fumantes. É uma forma física e direta de rejeitar o mundo físico, sem balela e sem discursos espirituais. A pessoa diz "Eu fumo" e pronto.


Criatividade. Ali do lado vocês vêem que em fevereiro de 2010 (OU SEJA, ESTE MÊS) existem 10 posts. É a mesma quantidade de posts de junho de 2009 a janeiro de 2010 (FAÇAM AS CONTAS, SÃO TIPO 8 MESES). Considerando que a unidade "fevereiro de 2010" pode ser subdividida: um breve momento de 2 posts num isolado dia 14, e o restante de 8 posts razoavelmente longos num período de menos de uma semana (ESTA SEMANA). Quem me conhece ou quem vê os números dos arquivos só pode pensar que eu perdi a compostura editorial e liguei o foda-se (nossa, que expressão deselegante.)

Mas isso não é verdade. Tudo o que eu postei nessa semana foi fruto de muita reflexão, releitura e alteração (inclusive depois de postado, então: confiram!) O que explica isso? Eu não sei. Eu só não aceitei ainda jogar o computador e o caderno pela janela, porque a estatística mostra que essas fases passam mais do que ficam e, portanto, eu devo aproveitar. (Que construção estúpida; se "ficasse", não seria uma "fase". Mas bom.)

O que me faz queimar neurônios, no entanto, é perceber que, contra a ocorrência ou não dessas fases, por mais que eu queira argumentar o oposto, eu não tenho muito controle. Isso é claro: nós temos fases. Mas o porquê de elas serem tão instáveis é algo que me faz erguer misteriosamente a sobrancelha. Bom, outro dia eu pedi comida chinesa e veio a seguinte mensagem no meu biscoito da sorte: "A mudança corresponde sempre a uma necessidade real." É a metafísica do yakissoba.